Alessandro Mortaio Gregori


O LUGAR DA ANTIGUIDADE NOS PROGRAMAS DE HISTÓRIA: DA DISSOLUÇÃO DO CURRÍCULO HUMANÍSTICO AOS DEBATES SOBRE A BNCC


A presente comunicação é parte integrante do ensaio teórico da pesquisa de doutorado Ensino de História, Consciência Histórica e Representações da Antiguidade: Interpretando o Tempo Presente em Sala de Aula em desenvolvimento no Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade de São Paulo.

Procura-se aqui realizar um breve percurso histórico das orientações curriculares oficiais para o ensino de história e compreender, a partir das mesmas, qual o lugar do conteúdo relacionado à História Antiga na aprendizagem básica dos estudantes. O enfoque será dado nos debates ocorridos durante a elaboração da Base Nacional Comum Curricular [BNCC] e sua posterior homologação para o Ensino Fundamental [2017]. Espera-se que a pesquisa contribua para a reflexão crítica sobre currículos e programas produzidos no país e o significado simbólico da inclusão e exclusão de conteúdos.

As disciplinas escolares e os estudos históricos sobre o currículo
Decorrentes das pesquisas de especialistas como Michael Young e Ivor Goodson, os estudos sobre currículo, voltados para a história das disciplinas escolares, remontam à primeira fase da Nova Sociologia da Educação inglesa [NSE]. A “Nova Sociologia” empenhou-se nas reformas educacionais dos anos de 1960 e 1970 na Inglaterra. A NSE procurava abandonar a “antiga” sociologia da educação britânica, a qual “seguia uma tradição de pesquisa empírica sobre os resultados desiguais produzidos pelo sistema educacional, preocupando-se, sobretudo, com o fracasso escolar das crianças e de jovens da classe operária” [Silva, 1995, p.65]. No entanto, a NSE interessou-se essencialmente pela organização dos saberes escolares em relação às interrogações “acerca do modo de existência [epistemológica, institucional, cultural] dos saberes ensinados e sobre os mecanismos sociais de seleção, organização, legitimação e distribuição desses saberes” [Valle, 2014, p.32-33].

A pesquisa histórica sobre o currículo orientada pela NSE busca compreendê-lo não como documento enumerativo de determinados arranjos disciplinares, mas como um objeto dinâmico, resultado de longa construção social. Trazidos ao presente, os currículos antigos influenciariam concepções sobre os saberes disciplinares, as condutas sobre práticas de ensino e reflexões sobre a inclusão e exclusão de determinados conteúdos. Segundo Goodson, o currículo escrito é “prova viva, pública e autêntica da luta constante que envolve as aspirações e objetivos de escolarização” [Goodson, 1997, p. 17]. Nesse sentido, é um “artefato social”, um descritor das práticas sociais que o moldaram.

Segue-se na presente comunicação as orientações teórico-metodológicas da NSE. Guiando-se pelo currículo escrito, investiga-se o documento oficial, historicamente, por meio de duas perspectivas interligadas [Goodson, 1995, p.26]: o significado simbólico do currículo, ou seja, suas intenções educativas e legitimadoras em relação à sociedade para qual foi produzido e seu significado prático, relacionado às convenções escritas que se traduzem na distribuição de recursos para a prática escolar.        

A dissolução do currículo humanístico pela Lei nº5692/1971 e o lugar da Antiguidade
Apontamentos críticos decorrentes da visão homogeneizadora, humanística e enciclopédica dos programas escolares de histórica emergiram no final dos anos 1950. A desaprovação do ensino de história estabelecido durante a Era Vargas centrava-se na erudição excessiva dos programas e sua desvinculação dos interesses econômicos da época, que visavam o crescimento industrial e tecnológico do país [Bittencourt, 2010, p.82]. Não se questionava no âmbito da história escolar a ideia de “formação da nação” ou o valor do político na concepção de cidadão ideal, mas sim a distância do ensino da vida cotidiana dos alunos e da percepção da realidade social para o entendimento do progresso econômico.

É a partir desse contexto de crítica ao ensino humanístico e enciclopédico que se deve compreender a opção do regime ditatorial militar, por meio da Lei nº5692/1971, de transformar a História e a Geografia em Estudos Sociais no 1º Grau. Apesar de subsistir no 2º Grau, a História, como conteúdo autônomo, sofreu uma expressiva redução de carga horária.

No Estado de São Paulo, a título de exemplo, a Secretaria de Educação publicou em 1974 o Guia Curricular proposto para as matérias do núcleo comum do ensino do 1ºGrau. Na área de Estudos Sociais, o Guia atentava-se para seu objetivo “integrador” e a ordenação das proposições curriculares a partir de uma linha de “currículo concêntrico [da comunidade mais próxima para o mundo]”. Seguindo a proposta, esperava-se “instrumentar o aluno gradativamente em situações da experiência cotidiana para se chegar a caracterizações da cultura em níveis cada vez mais complexos de organização humana” [São Paulo, 1974, p.65].

Os conteúdos sobre Mundo Antigo aparecem no Guia inclusos no tema “A sociedade atual: análise do processo de formação”, dedicada especificamente à 7ª série do 1ºGrau. Estudam-se as “grandes civilizações” por meio de seus aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais, com destaque as “contribuições dos povos antigos para a formação do mundo atual”, sob uma perspectiva eminentemente evolucionista e tecnológica. Procurava-se fornecer aos alunos “uma configuração geral do mundo em termos físico-culturais [...] que sirva de suporte para uma análise mais profunda das diferenças culturais [...]” [São Paulo, 1974, p.111]. Nos Estudos Sociais, as concepções da História, da Geografia e da Sociologia diluíam-se numa pretensa “integração”. Sustentava-se o programa por meio de habilidades escalonadas de maneira progressiva, a fim de situar o sujeito na evolução da sociedade.

Percebe-se que a dissolução do currículo humanístico na proposta de Estudos Sociais do Estado de São Paulo, delegava às disciplinas de Ciências Humanas um papel de ajuste à ordem social e política estabelecida. Enquanto as orientações da Era Vargas pecavam pelo excesso de conteúdos e uma proposta para o ensino de história essencialmente ufanista, nos Estudos Sociais o aluno não era levado a refletir criticamente sobre a realidade. Esperava-se sua adequação à ordem estabelecida, em uma sociedade que ansiava direcionar-se rumo ao progresso econômico industrial [Abud, 2014, p.69]. Em certo sentido, é possível afirmar que a tradição humanística e enciclopédica dos programas mais antigos é dissolvida nos “Estudos Sociais”, porém estes não se desvencilhavam de uma postura conformista, entendendo a história como “listagens de conteúdo”, acrescidos da cronologia tradicional e da enumeração de fatos sobre os “grandes Estados” do passado.

Discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular: Qual o papel do Mundo Antigo nas configurações curriculares?
Com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [Lei nº9394/1996], o Ministério da Educação [MEC] comprometeu-se em realizar uma reformulação curricular. Para os currículos do Ensino Fundamental foram elaborados, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais [PCN] sob uma proposta de orientação ancorada nos pressupostos da psicologia da aprendizagem piagetiana [Bittencourt, 2010, p.103]. A função dos PCN era constituir um referencial comum ao país, mas não um currículo fechado e inflexível. Seu intuito foi oferecer aos estados e municípios uma proposta aberta adequada à diversidade cultural e política nacionais, assegurando a autonomia dos sistemas de ensino, das escolas e dos professores. No campo específico do ensino de História os PCN refletiram as demandas apontadas pelos especialistas e professores da área desde a reabertura democrática. No lugar da “perniciosa tradição” sustentada pela sucessão cronológica dos grandes fatos políticos vinculados à história patriótica, enciclopédica e etapista, buscou-se centralizar a problemática do ensino de história na constituição dos “sujeitos históricos”. Estes, entendidos não apenas como os “grandes personagens e heróis”, mas constituídos principalmente por “agentes de ação social, que se tornaram significativos para os estudos históricos escolhidos com fins didáticos, sendo eles indivíduos, grupos ou classes sociais” [MEC, 1997, p. 32].

Ainda que os PCN trouxessem notável inovação às propostas curriculares produzidas após sua implantação, a LDB de 1996 previa, em seu artigo 26, o estabelecimento e a adoção de uma Base Curricular Comum para a Educação Básica. Isso significava a produção de um documento oficial que estipulasse e garantisse as aprendizagens mínimas a todos estudantes brasileiros. Entretanto, é apenas com a Lei nº 13.005/2014, que se regulamenta o Plano Nacional de Educação [PNE], com vigência de 10 anos e composto por 20 metas, dentre elas a produção de uma base curricular para o país. A partir de então, uma ampla discussão inicia-se para a produção da Base Nacional Curricular Comum [BNCC].

A elaboração, publicação e debates sobre a BNCC entre os anos de 2015 e 2016 suscitaram reações acaloradas entre especialistas e interessados no ensino de história. A primeira versão da Base [MEC, 2016] desencadeou, quase que de imediato, uma reação em cadeia contra as orientações propostas para o ensino de história. A não opção pela organização dos conteúdos de maneira cronológica e a exclusão de alguns temas relacionados à história europeia valeram à BNCC considerações inflamadas, como a do sociólogo Demétrio Magnoli e da historiadora Elaine Senise Barbosa. Para esses intelectuais, emergia da proposta uma “uma sociologia do multiculturalismo destinada a apagar a lousa na qual gerações de professores ensinaram o processo histórico que conduziu à formação das modernas sociedades ocidentais, fundadas no princípio da igualdade dos indivíduos perante a lei” [Magnoli & Senise, 2016].  Ainda no calor das reações contra a proposta inicial do MEC, a historiadora e escritora de livros didáticos Joelza Esther Domingues previa um cenário catastrófico em aproximação: “se aprovado esse absurdo, não será estranho, no futuro próximo, vermos jovens brasileiros aplaudindo a explosão de sítios arqueológicos, afinal são velhacarias que não interessam a ninguém. Não se ama nem se respeita o que não se conhece” [Domingues, 2016].

Visitando de maneira geral o documento [MEC, 2016], a proposta inicial trazia ao campo curricular uma reorganização da maneira de se dispor os conteúdos históricos escolares, especialmente no Ensino Fundamental II e Médio. Primeiramente, rompia-se com o quadripartismo temporal [Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea], propondo em seu lugar a exploração dos conteúdos por meio de eixos tais como “representações”, “lugares e vivências”, “processos” e “mundos”. Em seguida, os conteúdos históricos concentram-se na História do Brasil e em suas relações com a América e a África. Temas relativos à história europeia e asiática são tratados de maneira discreta e concentraram-se majoritariamente em problemáticas dos séculos XIX e XX, desparecendo muitos dos conteúdos ligados à Antiguidade e à Europa Medieval. Percebe-se, portanto, que a cronologia e a dinâmica da história integrada [temas da história do Brasil dispostos cronologicamente em relação aos temas da história ocidental] são abandonadas em favor de diferentes procedimentos de arranjo de conteúdos.

Devido à reação, a primeira versão da Base foi abandonada. O documento homologado em dezembro de 2017 recupera discussões já presentes nos PCN e as integra às demandas oriundas das inúmeras críticas recebidas na versão inicial. A multiplicidade dos sujeitos históricos, as variadas concepções de tempo e de cultura, assim como a preocupação com a alteridade e as variadas linguagem para a apropriação do mundo pretendem construir um “sujeito coletivo mais desenraizado” [MEC, 2017, p. 355]. No entanto, ainda que as orientações para história apresentem inovações em relação ao modo de se conceber os fundamentos da disciplina na BNCC, nota-se, especialmente nos “anos finais” do Ensino Fundamental uma organização dos “objetos de conhecimento” pautada novamente pela ordem cronológica e pela sucessão dos eventos históricos em conformidade com a tradição da história quadripartida.

O que justificaria, a partir de então, a permanência do Mundo Antigo nas propostas para a BNCC? Acompanhemos o posicionamento do historiador Marco Antônio Vila em relação à primeira versão da Base:

“[...] não teremos mais nenhuma aula que trata da Mesopotâmia ou do Egito. Da herança greco-latina os nossos alunos nada saberão. A filosofia grega para que serve? E a democracia ateniense? E a cultura grega? E a herança romana? E o nascimento do cristianismo? E o Império Romano? Isto só para lembrar temas que são essenciais à nossa cultura, à nossa história, à nossa tradição” [Villa, 2016].

O inconformismo de Villa liga a Antiguidade ensinada na escola a uma herança a ser transmitida. Seriam temas caros à cultura, à história e à tradição brasileiras. Mesopotâmia, Egito, Grécia e Roma Antigas são compreendidos como “essenciais”. A resposta oficial da ANPUH contra a supressão da História Antiga na primeira versão da BNCC baseou-se no seguinte argumento: Não há justificativa plausível para a omissão da História de povos da Antiguidade de diferentes partes do mundo que legaram um patrimônio material e imaterial reverenciado até os dias atuais” [ANPUH, 2016]. Ou seja, a inclusão dos povos antigos ao conteúdo escolar justifica-se por seu patrimônio reverenciado, possivelmente pela ideia de história e patrimônio que se possui no Ocidente. Torna-se claro que a questão curricular geral e, em especial, os conteúdos de história, extrapolam questões puramente didáticas e abrem espaço para debates políticos e ideológicos. A perda da História Antiga nas orientações curriculares passa a ser compreendida como a perda de uma tradição, de um legado e, em sentido amplo, de um patrimônio.

Pesquisadores brasileiros sobre Antiguidade, no entanto, de longa data sinalizam que o Mundo Antigo raramente é apresentado em sua especificidade nos livros didáticos e orientações curriculares. Geralmente, justifica-se sua importância no saber escolar por um raciocínio puramente teleológico:

“[...] buscando aproximar o mundo contemporâneo do passado, remete-se o aluno a uma procura de origens de certas instituições atuais, ressaltando-se o valor das civilizações grega e romana; e veem-se as origens do teatro na Grécia, do direito em Roma, da democracia no mundo grego Clássico, da reforma agrária na República Romana, como se o que existisse hoje fosse um mero prolongamento do que houve no passado” [Silva & Gonçalves, 2001, p. 128].

Ainda que os autores acima tenham feito tal consideração em 2001, percebe-se que muito pouco desse pensamento se alterou nas produções didáticas na segunda década do século XXI:

“Algumas obras mantêm uma abordagem tradicional da História Antiga, que em alguns momentos compromete por não acompanhar inovações dos debates da academia, enquanto que outras, em detalhes pontuais, avançam em reflexões que problematizam as sociedades   antigas   para   além   de   esquemas   simplificadores   estanques,  interna   e externamente [...]” [Barnabé, 2015, p.34].

A renovação historiográfica no campo da História Antiga passou por intenso desenvolvimento nos últimos 20 anos. Laboratórios e grupos de estudos ligados a universidades públicas, produzem inúmeras pesquisas, as quais pretendem “inovar” os estudos sobre Antiguidade no país [Silva, 2011]. No entanto, é possível afirmar que a maioria dos autores de manuais escolares ainda estaria presa na concepção teleológica e etapista da história, oriunda da própria tradição dos livros didáticos e dos documentos curriculares. A visão da Antiguidade como origem do Contemporâneo mostra-se ainda externamente forte as escolas.

Analisando a versão final da BNCC para o Ensino Fundamental [MEC, 2017], o Mundo Antigo aparece inicialmente no 5º ano de escolaridade e na unidade temática: “Povos e culturas: meu lugar no mundo e meu grupo social”. Elencam-se alguns temas como a “a formação do Estado”, as “religiões” e a “cidadania” como objetos de conhecimento ligados aos povos antigos. É nítida a preocupação em apontar no passado elementos formadores da sociedade contemporânea. A partir de uma “reflexão sobre a história e suas formas de registro”, o 6ºano abordará a Antiguidade nas unidades temáticas “A invenção do mundo clássico e o contraponto com outras sociedades”, “Lógicas de organização política” e “Trabalho e formas de organização social e cultural”. O estímulo a comparação entre povos Antigos move os objetos de conhecimento escolhidos pela BNCC para o 6º ano. Algumas inovações podem ser apontadas: “O Mediterrâneo como espaço de interação”, “Discutir o conceito de Antiguidade Clássica, seu alcance e limite na tradição ocidental, assim como os impactos sobre outras sociedades e culturas” e “identificar e analisar diferentes formas de contato, adaptação ou exclusão de populações”. 

Nota-se, enfim, o esforço dos elaboradores da BNCC em aproximar as discussões contemporâneas sobre o Antigo em âmbito universitário do cotidiano escolar. Entretanto, não se pretende no documento perder de vista o papel da Antiguidade como lugar da tradição e do legado, já que toda crítica desencadeada publicamente pela exclusão da História Antiga na primeira versão da BNCC centralizou-se em seu papel relevante como “herança” a ser transmitida.

Considerações Finais
Pelo percurso apresentado, tentou-se demonstrar que a tradição humanística, enciclopédica e ufanista para do ensino de história, dissolveu-se na elaboração dos currículos em prol da inserção dos Estudos Sociais nos anos de 1970. Como opção modernizadora e adequada para o aprendizado de Humanidades, os Estudos Sociais integrariam História, Geografia e Sociologia em propostas de currículos concêntricos supressores do enciclopedismo. No entanto, a perda de especificidade do conhecimento das disciplinas de Ciências Humanas promoveu a diluição, quando não, a supressão das ferramentas intelectuais das mesmas, em prol de uma visão histórica evolucionista e teleológica.

A LDB de 1996 abriu espaço para que se concebessem propostas curriculares inovadoras, calcadas nas orientações dos PCN. A história ganhava novos contornos na redemocratização do país, estabelecendo fundamentos para se pensar a realidade social. É somente com o PNE [2010] e o posterior debate em torno da BNCC que as determinações curriculares comuns nacionais propostas pela LDB puderam vir à luz. No campo da história, um amplo debate se formou quando da tentativa de exclusão da História Antiga das disposições oficiais. A mobilização da opinião pública incidiu diretamente pela reformulação da primeira proposta e o retorno do conteúdo sobre o Mundo Antigo à BNCC.

Evidenciada a tradição escolar em se apresentar a Antiguidade por meio de raciocínios teleológicos, diversas mudanças de paradigma ocorreram no campo da pesquisa universitária, os quais produzem um conhecimento histórico dinâmico por meio de novas problemáticas. No entanto, evidenciou-se que as manifestações públicas em prol dos conteúdos sobre Antiguidade justificavam sua presença no documento oficial explicitamente por seu papel de “herança”, com pouca preocupação em conceber o Antigo como espaço da inovação e do debate.

É importante salientar que a BNCC homologada pretendeu equilibrar tradição e inovação naquilo que concerne à Antiguidade. No entanto, o documento deve servir de esteio para que os sistemas educacionais regionais concebam seus próprios currículos. Secretarias de educação estaduais, sistemas de ensino privados e autores de livros didáticos produzirão novos documentos até o ano de 2020. Portanto, deve-se aguardar as repostas desses atores para se compreender o real significado das dicotomias “tradição/inclusão” e “inovação/exclusão” a respeito da Antiguidade a ser ensinada nas escolas.

Referências
Alessandro Mortaio Gregori é bacharel e licenciado em História pela Universidade de São Paulo, mestre em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo e doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Katia Maria Abud.

ABUD, Katia Maria. O ensino de história no contexto da Ditadura Militar. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; ABUD, Katia Maria [orgs.]. 50 anos da Ditadura Militar: Capítulos sobre o ensino de história no Brasil. Curitiba: W&A Editores, 2014.
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18 comentários:

  1. Prezado Alessandro, ótimo texto.
    As discussões sobre as possibilidades de um ensino de História decolonial entraram em evidencia nos últimos anos, às vezes passando por interpretações exageradas ou até mesmo equivocadas. Você acredita que a questão de um possível ensino decolonial estaria presente nessas reações contrárias a permanência da História antiga nos currículos? Se sim, como você acha que seria possível equilibrar essa questão sem cometer exageros, excluindo ou negligenciando determinados conteúdos?


    Renan Silva Martins

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    1. Olá Renan. Agradeço a leitura e a importante questão que coloca.

      Num primeiro momento, acredito que sim. A opção de se excluir a História Antiga dos currículos dos Ensinos Fundamental e Médio pode encontrar respaldo acadêmico justamente nessas perspectivas decoloniais, pois a Antiguidade refere-se essencialmente ao Velho Mundo e serviu historicamente como justificativa para posturas imperialistas e coloniais. O passado grego e romano, num primeiro olhar, corresponderia, então, a um eurocentrismo insensato e permanente, ocupando um espaço no currículo, o qual poderia ser preenchido por histórias que dialogariam muito mais com a pretensa "brasilidade". No entanto, acredito em uma perspectiva que lida com o currículo a partir de uma visão de "artefato social" (Ivor Goodson). Há camadas simbólicas e práticas nos documentos curriculares, as quais evocam posturas políticas. Isso significa que a opção pela inclusão/exclusão de conteúdos nos programas das disciplinas sempre acarreta uma postura política, em especial quanto a História ensinada. Nesse sentido, podemos revisitar o discurso de algumas personalidades contemporâneas ligadas à História, seja nos meios acadêmicos ou fora deles, que promoveram um repudio à primeira versão da BNCC (sem a presença da Antiguidade). O discurso desses profissionais evocava "tradição" e "patrimônio" ao criticar a primeira versão do MEC. Compreendo que a dinâmica de inclusão/exclusão de conteúdo é também uma disputa política por "visões" da História ensinada, que pode ser complementada por respaldo acadêmico, porém não necessariamente.

      Atenciosamente,

      Alessandro Mortaio Gregori

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  2. Boa tarde,professor Alessandro Mortaio Gregori!! fico feliz em vê-lo inserir o debate sobre o lugar da antiguidade no ensino de história no que se refere aos estudo dos conteúdos antigos nos currículos usados em sala de aula pois considero essa uma forma de permitir aos estudantes conhecer o mundo o qual estão inseridos. Nesse caso, gostaria que se possível, o senhor aprofundasse o debate, já muito rico, sobre o real significado das dicotomias “tradição/inclusão” e “inovação/exclusão” a respeito da Antiguidade a ser ensinada nas escolas.

    Gizeli da Conceição Lima.
    UFPI
    Teresina-PI

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    1. Bom Dia Gizeli. Primeiramente, muito obrigado pela leitura e pela questão que coloca.

      Nesta pesquisa parto de um referencial teórico proveniente da Nova Sociologia da Educação inglesa, a qual compreende o currículo como um artefato social, sendo por uma lado uma prescrição de práticas e por outro um instrumento subjetivo e simbólico. Dessa forma, quando apontamos a dinâmica da "tradição/inclusão" e "inovação/exclusão", nos detemos ao caso específico da História Antiga. O currículo humanístico sempre deu muita importância para os estudos clássicos, por exemplo. Entretanto, sua dissolução com a lei nº5692/1971, encontrou respaldo em um processo de inovação que buscava excluir conteúdos humanísticos em prol de um currículo tecnicista alicerçado na concepção de sociedade industrial. Nesse sentido, a supressão da Antiguidade pode ser vista como um ato político, alterando concepções de escola e visões de mundo. O ressurgir desse debate, quando da elaboração da BNCC, retorna, em meu ver, a essa questão. Percebe-se pela tônica de muitos especialistas que a versão que suprimiu História Antiga e Medieval alterava substancialmente uma visão de escola e de ensino de história (a tradição).

      Atenciosamente,

      Alessandro Mortaio Gregori

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    2. Obrigada pelo esclarecimento. Abraços!

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    3. Eu que agradeço sua questão e interesse ao ler meu texto.

      Abraço.

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  3. Olá, Alessandro. Parabéns pelo texto bastante rico e importante.
    Agora, acerca da proposta inicial da BNCC a qual, se aprovada, romperia com a estrutura cronológica de se explicar história para que se tenha sentindo o estudo das origens - que se faz desde o mundo antigo até o contemporâneo - seria uma manifestação negacionista com o objetivo de ignorar a importância da antiguidade na contemporaneidade?

    Cleiton Mello Ribeiro.

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    1. Olá Cleiton. Muito obrigado pela leitura e pela questão que coloca.

      Acredito que o propósito da versão inicial da BNCC foi sem dúvida partir de uma revisão do ensino de história, ancorada em renovações historiográficas e de temáticas. O acompanhar das questões acadêmicas na produção de currículos é um enfoque enriquecedor. No entanto, os currículos são sempre atos políticos, no sentido de que selecionam aquilo que da cultura faça sentido aos grupos que controlam o institucional dos sistemas de ensino. Não acredito que seja somente uma visão negacionista, mas uma tentativa de recontextualizar a história ensinada a partir de referenciais teóricos que busquem aproximar o Brasil de "uma comunidade atlântica", com outros ritmos temporais e humanos. É o encaixe de um projeto, a meu ver, geopolítico maior, o qual sofreu uma dura resistência dentro da própria "comunidade disciplinar", pois a maioria ainda pensa a estruturação dos conteúdos históricos a partir de referências tradicionais, ou seja, o quadripartismo histórico europeu.

      Atenciosamente,

      Alessandro Mortaio Gregori

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  4. Ola Alessandro, bom dia. Primeiramente parabéns pelo seu excelente texto, muito bem escrito e assertivamente importante. Gostaria também de lhe perguntar, se em sua opinião, seria possível que o ensino de Historia Antiga fosse completamente abolido da BNCC, ou mesmo ainda mais suprimido? Obrigado.

    Diaciz Alves de Oliveira.

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    1. Olá Diaciz. Muito obrigado pela leitura e pelo cumprimento. Agradeço também a gentileza de propor uma questão.

      Pelos estudos que tenho realizado, vivemos hoje essa dinâmica de inclusão/exclusão baseada em um debate já longo sobre a natureza da história ensinada. Eu acredito que o conteúdo sobre Antiguidade pode sim ser progressivamente diluído nos documentos oficiais. Não imagino uma supressão, mas uma alteração de sentido substancial em referência àquilo que chamamos de "Mundo Antigo". À medida em que novos projetos geopolíticos vão sendo configurados, o ensino de história pode acompanhar tal alteração, encontrando outro espaço para conteúdos que podem denotar uma ideia de "tradicionalismo". Enfim, é uma hipótese.

      Atenciosamente,

      Alessandro Mortaio Gregori

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  5. Ola Alessandro, bom dia. Primeiramente parabéns pelo seu excelente texto, muito bem escrito e assertivamente importante. Gostaria também de lhe perguntar, se em sua opinião, seria possível que o ensino de Historia Antiga fosse completamente abolido da BNCC, ou mesmo ainda mais suprimido? Obrigado.

    Diaciz Alves de Oliveira.

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  6. Muito pertinente a abordagem. Acompanhei a indignação de alguns estudiosos com a situação do ensino da antiguidade na primeira versão da BNCC. Apesar de ser uma preocupação justa,estava permeada por um certo "conteudismo" e o apelo à tradição de erudição histórica mais do que ao desenvolvimento de um raciocínio histórico nas crianças de 6 ano que se deparam com um conteúdo tão distante no tempo e no espaço. Pergunto: você considera ser positivo (e possível) aproveitar os conteúdos e as orientações daoda BNCC para trabalhar com os alunos conceitos e raciocínio histórico?
    Carlos César Bento Filho

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    1. Boa Tarde, César. Muito obrigado pela leitura e pela questão que propõe.

      Como anuncio no texto, a primeira versão da BNCC tentou romper com a tradição cronológica e o conteudismo já presentes há muito no ensino de história. Tivemos uma reação acalourada da comunidade disciplinar que não viu com bons olhos a supressão de conteúdos sobre História Antiga e Medieval. O retorno da abordagem cronológica, especialmente no fundamental 2, trouxe antigos impasses, como a ideia de se tratar um tempo recuado e distante da realidade dos alunos. A meu ver, é possível aproveitar a temática para se discutir questões que fujam dos raciocínios da história essencialmente política, o que geralmente se ensina em relação à Antiguidade. A perspectiva comparada entre povos antigos do velho mundo e civilizações da América pré-colombiana pode ser um caminho. A perspectiva antropológica pode ser interessante, quebrando estereótipos e reconstruindo relações entre primitivo/civilizado, simples/complexo...etc.

      Atenciosamente,
      Alessandro Mortaio Gregori

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  7. Olá, Alessandro! Parabéns pelo ótimo texto! Sou professor de História no Ensino Fundamental 2 da rede municipal de educação de Morro Agudo, interior de São Paulo. A Antiguidade é o período da História que mais me fascina. Com a implementação da BNCC e sua adequação nos livros didáticos do PNLD usados nas escolas a partir desse ano, pude perceber algumas mudanças nos conteúdos da Antiguidade no sexto ano do Fundamental, com destaques para a diminuição do espaço para os Fenícios, Hebreus e Persas e a obrigação de ensinar aos alunos a crise e a dissolução do Império Romano do Ocidente até o 3º Bimestre, uma vez que aumentaram os conteúdos estudados nos sextos anos para até a crise do Feudalismo na Europa Ocidental medieval nos séculos XIV e XV, algo que acredito ser totalmente inviável de ser alcançado para alunos de 11 anos de idade, principalmente em turmas tão heterogêneas. O que o senhor pensa a respeito disso?

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    1. Olá, agradeço pela leitura e pelo comentário.

      Infelizmente, houve um acréscimo de conteúdo para o 6º ano, já que as alterações curriculares mantiveram uma estrutura bastante tradicional. Assim, os produtores de material didático e os sistemas de ensino apenas acrescentaram conteúdos e não repensaram o substancial que indicava a BNCC. Novamente enxergamos uma permanência de uma visão tradicional do ensino e pouca preocupação com o professor e seu trabalho em sala de aula.

      Atenciosamente,

      Alessandro Mortaio Gregori

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  8. Olá, Alessandro! Parabéns pelo ótimo texto! Sou professor de História no Ensino Fundamental 2 da rede municipal de educação de Morro Agudo, interior de São Paulo. A Antiguidade é o período da História que mais me fascina. Com a implementação da BNCC e sua adequação nos livros didáticos do PNLD usados nas escolas a partir desse ano, pude perceber algumas mudanças nos conteúdos da Antiguidade no sexto ano do Fundamental, com destaques para a diminuição do espaço para os Fenícios, Hebreus e Persas e a obrigação de ensinar aos alunos a crise e a dissolução do Império Romano do Ocidente até o 3º Bimestre, uma vez que aumentaram os conteúdos estudados nos sextos anos para até a crise do Feudalismo na Europa Ocidental medieval nos séculos XIV e XV, algo que acredito ser totalmente inviável de ser alcançado para alunos de 11 anos de idade, principalmente em turmas tão heterogêneas. O que o senhor pensa a respeito disso?

    Oscar Martins Ribeiro dos Santos

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