NÓS E OS ANTIGOS: USOS DA LITERATURA CLÁSSICA EM MANUAIS DE ENSINO DE
HISTÓRIA OITOCENTISTAS
O
estudo aqui apresentado se insere no âmbito de investigações sobre os usos do
passado clássico, como dispositivo discursivo útil à reflexão de questões
contemporâneas. Nossas indagações derivam da observação das releituras da
literatura clássica em manuais de ensino de História oitocentistas, tais como O
compêndio de História Universal de Justiniano Jose da Rocha [1860], O
compêndio de História Universal de
Victor Duruy [1865]
e O compendio de História Universal Resumida de Pedro Parley [1869]. Em linhas gerais,
questionamo-nos em que medida os autores desses compêndios utilizados no
Império brasileiro, sobretudo nas escolares secundárias, reproduziam como
verdade histórica, isto é, como restituição do passado clássico aquilo que é, a
nosso ver, retórico, ou seja, produto da manipulação de acontecimentos
históricos com a finalidade de referendar determinados posicionamentos
político-culturais afinados ao projeto de poder do Império do Brasil. A
pesquisa justifica-se pela necessidade de aprofundarmos a discussão sobre os
usos do passado clássico e a escrita histórica escolar no século XIX.
O
recorte temporal escolhido está circunscrito entre duas reformas educacionais,
a saber: Reforma de Couto Ferraz [1854] e Reforma de Leôncio de Carvalho
[1878], porquanto se percebe, neste ínterim, significativos esforços
governamentais voltados à centralização política imperial, no interior dos
quais salientamos a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
[IHGB], em 1838, e do Imperial Colégio Pedro II [ICPII], em 1837, bem como a
presença massiva de grupos políticos conservadores [saquarema],
responsáveis pelo estabelecimento de políticas públicas educacionais
endereçadas ao controle e vigilância de instituições escolares, professores e
materiais didáticos utilizados. Destaca-se, nesse contexto, a criação da
Inspetoria Geral da Instrução Pública Primária e Secundária [IGIPSC] em
17.02.1854. Além disso, entre tais reformas, percebe-se que o ensino religioso
tinha caráter obrigatório; tornando-se facultativo a partir da Reforma de
Leôncio de Carvalho [1878]. A nosso ver, tais aspectos político-culturais impactam
a escrita da história nos compêndios autorizados para uso nas escolas.
O
interesse pelas formas históricas da História Antiga nos manuais de ensino de
História oitocentistas resulta da identificação de lacunas historiográficas no tocante
aos percursos da escrita histórica escolar nos compêndios de História
Universal, sobretudo no que diz respeito ao ‘lugar’ da Antiguidade nos
currículos escolares do século XIX. Além disso, preocupamo-nos em compreender
em que medida tais narrativas contribuíram para forjar projetos de nação e de
sociedade no Império brasileiro.
Para
compreendermos a relação entre as fontes antigas e seus usos na
contemporaneidade, mencionamos, inicialmente, a tese de Leandro Hecko, [2013].
Para o historiador, a relação entre um passado distante, [re]significado a
partir de nosso campo de experiências, compõe a cultura histórica, porquanto o
passado ecoa, em nosso cotidiano, por meio da literatura, da arte, da
arquitetura, dos jogos eletrônicos, do misticismo, dos desenhos animados, do
cinema, da música, das histórias em quadrinhos, dos museus, da propaganda, das
joias, dos discursos políticos, da indústria da estética, entre outros, e
contribui para que o construamos. Trata-se de um passado que nos interessa,
isto é, uma imagem do passado comprometida com demandas ou inquietações,
anseios ou predileções de nosso tempo, tal como se observa a seguir:
“O melhor ponto de partida parece ser aquele que, na vida
corrente, surge como consciência histórica ou pensamento histórico [no âmbito
do qual o que chamamos ‘história’ constitui-se como ciência]. Esse ponto de
partida instaura-se na carência humana de orientação do agir e do sofrer os
efeitos das ações no tempo. A partir dessa carência é possível constituir a
ciência da história, ou seja, torná-la inteligível como resposta a uma questão,
como solução de um problema, como satisfação [intelectual] de uma carência [de
orientação]”. [Rüsen, 2001, p. 29-30 apud Hecko, 2013, p.141]
Ao dialogar com Rüsen, Hecko [2013] nos mostra que a carência de
orientação é um componente indispensável à constituição de sentido do
pensamento histórico, o que mostra que o interesse pelo passado resulta da
‘vida prática’, isto é, da necessidade de conferirmos sentido ao presente a
partir da construção de uma representação sobre o passado. A constituição de
sentido só é possível em virtude dos pontos de contato entre presente e passado
[Rüsen, 2010, p. 76-7]. Dito isto, entende-se que são as percepções do
presente, que conferem significado ao passado e nos impulsiona ao estudo dele.
Em outras palavras, o passado é significado pelo presente, logo é o historiador
que atribui ‘forma’ ao passado e tal posicionamento também nos permite declarar
que a cultura, em que o historiador está inserido, não deve ser negligenciada
da compreensão da morfologia do passado, porquanto a cultura diz o que foi o
passado [Farias Junior, 2016, p. 40-1].
Bakogianni
[2016] também colabora para que aprimoremos nossa reflexão sobre a relação entre
textos-fonte e sua recepção em diferentes temporalidades. Ao examinar a recepção da literatura
clássica na narrativa histórica escolar, no século XIX, a autora nos adverte
para o fato de que as fontes são interpretadas em conformidade com o campo de
experiências políticas e o ambiente cultural em que o estudioso está inserido,
o que significa dizer que o presente do historiador influenciará em sua
interpretação sobre o passado.
A autora sustenta as conexões entre o passado clássico e a
apropriação altamente seletiva das fontes antigas, ao demonstrar as várias
possibilidades de leitura de Electra na contemporaneidade. Entender a teoria da
recepção é importante por nos permitir perceber que todas as vezes em que os
textos clássicos são lidos, eles são reinterpretados, ou seja, eles são lidos
de maneira diferenciada por cada autor, tendo em vista suas influências
culturais, categorias de pensamento que se conectam ao espaço e tempo em que o
sujeito histórico está inserido. Assim, os textos-fonte podem ser alterados,
mutilados ou ter seus objetivos iniciais negligenciados para satisfazer a
necessidades daquele que se apropria dessas fontes. [Bakogianni, 2016, p.115].
Sobre
os usos do passado, como forma de explorar processos discursivos de legitimação
de poder, salientamos a investigação de Glaydson
José da Silva [2007] que nos ajuda a pensar
sobre esta temática, ao analisar as apropriações da literatura clássica pela
extrema direita francesa após a Segunda Guerra Mundial, como forma de fundamentar
compreensões de mundo afinadas à ideologia política de direita na França.
Silva
[2007] propõe uma reflexão acerca do papel do passado nos jogos de poder e nas
afirmações identitárias, o que implica a instrumentalização do passado levada a
termo pelos grupos analisados em sua pesquisa, especialmente os de extrema
direita na França. Ao analisar os usos do passado sob a ótica das
extremas direitas francesas como forma de estabelecer ligações entre os Antigos
e o Front National, o historiador nos possibilita refletir sobre
a maneira como
a instrumentalização do passado pode
se tornar uma arma de grande valia para um
determinado grupo social que, ao investir em diferentes meios de propaganda
política, ambiciona controlar a opinião pública.
De acordo com Silva [2007], os estudos sobre
o presente, que tiveram como escopo o mundo antigo, evidenciam um caráter
marcadamente discursivo a respeito
da Antiguidade, que, por vezes,
foi inventado/criado para atender aos interesses daqueles que reivindicavam uma herança
antiga, os seus beneficiários.
Com isso, o pesquisador ajuda-nos a problematizar a relação entre antiguidade e
contemporaneidade ao apresentar um caminho teórico-metodológico útil para a
reflexão das relações existentes entre nós e os antigos.
No tocante aos nossos objetos de investigação, a saber: os
compêndios de História oitocentistas, verifica-se que a presença e a
valorização da história e da literatura clássica nos programas curriculares
voltados à instrução pública secundária, especialmente sobre a história grega e
romana, não eram fortuitas.
A seleção de conteúdos escolares em compêndios de História para a
educação básica não é um procedimento neutro ou arbitrário; pelo contrário, a
memória histórica fabricada por tais narrativas exerce um papel político
significativo como instrumento legitimador da ordem social vigente no interior
da qual o passado é ‘instrumentalizado’ para satisfazer a interesses e
objetivos do presente.
Conhecer
tais trabalhos acadêmicos brasileiros, é importante porque eles nos fornecem um
arcabouço teórico- metodológico para pensar os usos do passado. Diante desse
percurso, procuraremos evidenciar, a partir da análise documental, o uso de
alegorias e tópoi literários, utilizados, em grande medida, para forjar a
construção da identidade nacional, entendida numa acepção plural, porquanto
intencionalmente construída e reconstruída para atender a expectativas
políticas dos grupos que ocupavam os espaços de poder entre 1854 e 1878.
Destacaremos,
em particular, a forma como a civilização grega, sua geografia, guerras,
experiência democrática e demais particularidades é caracterizada em tais
compêndios de História Universal, tendo em vista a orientação política
do país no período. Isso posto, nosso itinerário de análise documental considera dois aspectos fundamentais: de um lado,
o exame crítico
dos conteúdos dos discursos, os quais se apoiam em uma versão
‘instrumentalizada’ da
História Antiga que atende, a nosso ver, a objetivos e interesses particulares
do momento da escrita e; de outro, os artifícios retóricos a partir dos quais
elucidaremos de que maneira os conteúdos de História Antiga se relacionam com
os projetos políticos de nação que se forjavam no início do século XIX.
Assim,
concebemos a retórica como importante mecanismo de análise documental, já que
pode estar a serviço da interpretação da escrita das fontes históricas.
Atentaremos para os artifícios retóricos a partir dos quais elucidaremos de que
maneira os conteúdos de História Antiga se relacionam com projetos políticos de
nação que se forjavam, particularmente entre 1860 e 1870, em meio a dissensões
políticas provinciais brasileiras e suas implicações na condução de políticas
públicas educacionais.
É
preciso considerar que a recepção da literatura clássica nos manuais de ensino
de História oitocentistas ocorreu em um ambiente intelectual marcado pela
afirmação dos sentimentos de pertencimento e valorização da nação, tanto na
Europa quanto no Brasil, por isso os projetos de escrita da histórica escolar
foram caracterizados por marcadores identitários que dialogavam com o presente
dos destinatários, a saber: a ideia de civilização [nos moldes europeus] e seus
atributos político-culturais ideais: a monarquia e o cristianismo; todos
referendados por ‘exemplos’ provenientes da literatura antiga.
Os
pesquisadores Christino de Cortez e Maria Cecilia Souza [2004] discorrem sobre
a construção da memória voltada para o ensino brasileiro no século XIX e nos
permitem perceber que:
“Aqui no Brasil, a ideia
de sociedade futura foi especialmente acentuada; só que ao contrário do movimento francês, em que essa utopia estava
calcada de alguma forma mais abstrata ou normativa de progresso, as políticas
educacionais procuraram, como é sabido, adequar a escola brasileira a imagens
concretas e recorrentes que espelhavam o presente de países que, assim se
acreditava, tinham conseguido simultaneamente civilização e riqueza”. [Cortez e
Souza, 2004, p. 26]
Fica
claro que a escola primária e secundária brasileira, reflexo do modelo de
ensino francês, deveria se espelhar nas civilizações consideradas
‘desenvolvidas’ e detentoras de riqueza, considerando a perspectiva
evolucionista cultural em que as civilizações ocupavam estágios distintos no
processo de desenvolvimento civilizatório.
De
certa forma, a própria ideia de História Antiga é pensada a partir dos
percursos históricos europeus e exprime a forma como os europeus concebiam seu
passado. Reconhecemos que essa era a vertente interpretativa predominante na
academia e nos espaços escolares da sociedade imperial brasileira.
Devemos
atentar para o fato de que a forma como os europeus, no século XIX,
interpretavam seu próprio passado é intencional, porquanto enredada em questões
de política nacional e cultural que podem ser elucidadas pelo historiador.
Trata-se de um importante exercício sobre as formas de apropriação/acomodação
do saber clássico na contemporaneidade.
Assim
sendo, podemos dizer que o apelo ao passado, em grande parte dos casos, teria
sido uma tentativa de legitimar iniciativas políticas daqueles que ocupavam os
espaços de poder. Ao passo que essas narrativas concebiam a Europa como
referência político-cultural, controlavam as demais sociedades pelo simples fato
de categorizá-las e atribuir a elas um ‘caminho civilizacional’ a ser
percorrido, a despeito de suas trajetórias individuais e demandas particulares.
Desse
modo, ao produzir uma forma específica de interpretar o passado e exportá-la
como ‘saber acadêmico sistematizado’ às outras civilizações, a escrita da
história passa a conferir um caráter científico ao olhar europeu sobre a
história da humanidade. Em outras palavras, caberia às demais nações, como o
Brasil, emular e inspirar-se com as experiências europeias, tornando-as uma
espécie de paradigma.
No
entanto, de acordo com Goody [2008], o que chamamos de Antiguidade Clássica
[essencialmente, Grécia e Roma] apartava-se de seus predecessores orientais
desde a Idade do Bronze, de tal forma que muitos trabalhos acadêmicos, ainda
hoje, não explicitam os dinâmicos contatos culturais entre gregos e romanos e
as civilizações antigas orientais.
Para
ele, alguns aspectos da Antiguidade, especialmente os aspectos econômicos
[comércio e mercado] e político-culturais [compartilhamento de formas de
governo e ideias, crenças, costumes, valores morais] são subestimados pela
maioria dos intelectuais oitocentistas europeus, preocupados com a
autoafirmação das sociedades ocidentais frente ao ‘exótico’ oriente. O que muitos
entendem por Antiguidade atualmente restringe-se a Grécia e Roma Antiga o que
sinaliza que os esforços de Goody e outros historiadores empenhados na
descolonização do passado ainda representam um desafio no Brasil.
Como
havíamos afirmado, a escrita da História oitocentista estava engajada com a
construção da história nacional, numa perspectiva genealógica e teleológica,
cuja origem remonta às sociedades antigas gregas e romanas. Essa abordagem
historiográfica inspirava a elite letrada brasileira a construir uma linha de
continuidade entre o “novo” e o “velho” mundo, no interior da qual as origens
da nação brasileira não se encontravam na África, mas sim nas sociedades
clássicas, Grécia e Roma.
É,
sob essa ótica, que as sociedades antigas ocidentais, Grécia e Roma,
contribuíram para forjar o que muitos estudiosos chamam de ‘identidade cultural
ocidental’, como se fôssemos herdeiros diretos de práticas culturais
genuinamente ocidentais; ou, dito de outro modo, como se as sociedades gregas e romanas tivessem
construído um campo de experiências culturais desconectado das sociedades
antigas orientais, tais como Israel, China e Índia [Goody, 2008].
Em síntese, para Norberto Luiz Guarinello, a história chamada
antiga faz parte do repertório cultural dos brasileiros [2008, p. 07].
Ela simbolizava uma espécie de História das nossas origens como cultura e
civilização. Ela deveria ser vista como um ponto inicial de uma jornada que,
através da História Medieval e da História Moderna, confere inteligibilidade ao
processo de colonização europeia que nos formou e nos transformou em
descendentes da Europa, em membros do Ocidente, participantes da civilização
Ocidental.
Cabe destacar que, sob a ótica eurocêntrica, a História Antiga nos
ocidentaliza, isto é, insere-nos numa linha do tempo que nos torna, de certa
forma, herdeiros da Grécia, de Roma e do chamado Oriente Próximo, que se tornou
um campo de investigações arqueológicas no transcorrer do século XIX. É com
base nesta divisão tripartite da História Antiga, reproduzida ainda hoje em
cursos de graduação e pós-graduação, que nos tornaríamos sucessores da História
Medieval, porquanto a História do Brasil, particularmente sob a ótica de grande
parte dos historiadores do século XIX, torna-se um ramo da História europeia
nos tempos modernos, uma vez que nosso território foi colonizado pelos
portugueses a partir do século XVI [Guarinello, 2003].
No âmbito da Pós-Gradução em História do Brasil da Universidade
Federal do Piauí, nosso projeto de pesquisa consiste em investigar esses
limites entre texto-fonte, recepção e comunidades interpretativas a partir da
tradução e/ou adaptação da literatura clássica nos manuais de ensino de
História oitocentistas. A democracia ateniense e suas literaturas é o tema a
que nos propusemos investigar, justamente pela disparidade em relação à forma
de governo adotada no Império brasileiro no período estudado [1854-1878]. Dito
de outra forma, os esforços investigativos acerca da ‘democracia ateniense’ em
compêndios de História Universal no Brasil apresenta-se como uma
oportunidade para explorar os modos pelos quais a historiografia francesa
oitocentista foi recebida, apropriada ou reproduzida nas instituições escolares
brasileiras.
Enfim, questionamo-nos sobre como a democracia ateniense é
ressignificada nos compêndios de História Universal de Justiniano Jose
da Rocha [1860], Pedro Parley [1869], e Victor Duruy [1865], num contexto de
centralização política e estratégias de manutenção da unidade administrativa do
Império brasileiro.
No âmbito da instrução pública brasileira, estudar as civilizações
antigas sob a ótica europeia, sobretudo francesa, bem como estudar línguas
modernas, tais como inglês, alemão, italiano e principalmente o francês,
concomitantemente às línguas clássicas, latim e grego perfaziam um percurso
curricular aceito, reconhecido e valorizado pela elite brasileira e atuavam
como marcas de distinção social. Apesar de outros modelos educacionais, como o
norte-americano, também influenciarem a estrutura organizacional da educação
brasileira, a França era a principal referência, porquanto muitos autores de
compêndios ou estudaram na França ou simplesmente traduziram no Brasil os
compêndios que haviam estudado.
No Brasil esse discurso é relacionado ao projeto de desenvolvimento
acelerado, vivenciado particularmente a partir de 1850, que seduzia o país a
construir uma “nação moderna” e que, portanto, atraiu um contingente expressivo
de letrados brasileiros que pregavam uma ampla reforma cultural e educativa –
condição indispensável para que o país pudesse alcançar a condição de ‘primeiro
mundo’. Nesse sentido, A História Antiga, no âmbito da História Universal,
assume o papel de explicar as origens: origem do homem, com ênfase à abordagem
veterotestamentária, a origem das formas de governo, com destaque à monarquia,
e a origem da religião, considerando o cristianismo como religião central para
configuração do ‘mundo civilizado’.
Nesse sentido, partimos do pressuposto de que os autores de
manuais didáticos europeus, sobretudo franceses, que foram traduzidos e
adaptados por historiadores brasileiros, grande parte membros do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, reproduziam como verdade histórica, isto é,
como restituição do passado clássico aquilo que é, a nosso ver, retórico, ou
seja, produto da manipulação de acontecimentos históricos com a finalidade de
referendar determinados posicionamentos político-culturais do presente.
Compreender o papel da história antiga nos currículos escolares oitocentistas e
como a literatura clássica era ressignificada, ajustando-se à construção de um
ideário de nação e de sociedade, permite-nos aprofundar nossas próprias
indagações sobre o que fazemos quando ensinamos história antiga nas escolas.
Referências
Gizeli
da Conceição Lima possui graduação em História pela Universidade Federal do
Piauí – CSHNB [2017]. Participou do Programa Institucional Brasileiro de
Iniciação à Docência – PIBID [2014-2016] e do Laboratório de História Antiga e
Medieval – LABHAM/UFPI [2016-2017]. Atualmente é mestranda do Programa de
Pós-Gradução em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí – PPGHB,
sendo bolsista pela CAPES. Desenvolvendo estudos na linha de pesquisa História,
Cidade, Memória e Trabalho. E-mail para contato: gizelilima@hotmail.com
José
Petrúcio de Farias Júnior é licenciado e Bacharel em História pela Universidade
Estadual Paulista [UNESP/Franca – 2003] e em Letras. Possui Graduação em
Pedagogia pela Universidade Federal de São João Del Rei [UFSJ – 2012]
Especialista em Educação Empreendedora [UFSJ] e Planejamento, Implementação e
Gestão da Educação a Distância [UFF]. Mestre em História na linha de Pesquisa
História e Cultura Política pela UNESP/Franca [2012], com estágio de pesquisa
na Abert Ludwigs Universitat Freiburg [2007], Doutor em História pela
UNESP/Franca com período sanduíche na Freie Universitat – Berlim [2011-2012].
Pós Doutor em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia [UFU- 2018], sob
a supervisão da profa. Dra Selva Guimarães; Atua como coordenador do Doutorado
Interinstitucional em Educação – [DINTER UFU-UFPI]; lidera os grupos de
pesquisa: Laboratório de história Antiga e Medieval [LABHAM/UFPI] e História e
Culturas Religiosas [HCR/UFPI]. É membro dos seguintes grupos de pesquisa:
Grupos de Estudos e Pesquisas em Ensino de História e Geografia [UFU],
História, Antropologia e Ensino de História em Fronteiras [UNIFAP], Jesus
Histórico e suas recepções [UFRJ], Grupo de Estudos em residualidade Antigo- Medieval
[GERAM/UVACE]. É Coordenador do projeto de extensão, no âmbito do PIBEX
intitulado Educação Patrimonial e Ensino de História. É professor efetivo pela
Universidade Federal do Piauí, no campus SHNB em Picos [2016], onde atua como
professor das disciplinas de História Antiga e Medieval; além disso, integra o
Programa de Pós-Graduação em História do Brasil [UFPI] e orienta pesquisas
acadêmicas nos seguintes temas: 01. Recepção dos clássicos na literatura
brasileira; 02. Formas históricas do Ensino de História Antiga e Medieval na
Educação Básica; 03. Saberes e práticas docentes na educação básica e no ensino
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Brasil; 06. História pública e representações contemporâneas da Antiguidade.
E-mail: petruciojr@terra.com.br
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A princípio, quero parabenizar pelo trabalho, Profa. Ms. Gizeli da Conceição Lima e Prof. Dr. José Petrúcio de Farias Júnior. A discussão arguida na pesquisa aventa uma reflexão deveras importante: a constituição de um saber histórico no século XIX. A isso acrescenta-se todo um debate que permeou os Oitocentos com uma discussão sobre os efeitos da Revolução Industrial e Francesa no modo de lidar das sociedades que viram a tecnologia expandir-se celeremente. Desse modo, analisar como são produzidos discursos em uma época nos ajuda não apenas a problematizar como os homens, em especial os autores do Compêndios citados, apresentam seu tempo e o retratam no ensino. Assim, é possível verificar a atualidade dessa temática face às tentativas de negacionismo deste século. Aprender sobre o passado é salutar porque, assim, somos impelidos a interpretar o nosso presente. Gostaria de saber, para além do que está competentemente expresso no trabalho, de que forma é viável perceber uma "tradição" no ensino de história que elege sobre o passado um heroísmo de sujeitos determinados (o cunho positivista na história)? E se há possibilidade de nos educarmos e reeducarmo-nos historicamente.
ResponderExcluirOlá Rômulo boa tarde! obrigada pela sua participação. Respondendo a sua pergunta: Acredito que a forma mais viável, por assim dizer, de perceber uma "tradição" no ensino de história, consiste em buscar problematizar o conteúdo posto. refletir sobre o que está abordado e como como é tratado determinado assunto, verificando quem escreve (autor/tradutor), seu local de fala e as intencionalidades do que se escreve e qual a finalidade do escrito para o seu público alvo. Quanto a possibilidade de nos educarmos e reeducarmo-nos historicamente enquanto sujeitos históricos, eu penso que ainda há muito a fazer, mas creio que a nossa sociedade tem condições de melhorar na sua relação com o diferente(aquele que não sou eu, nem advoga as mesmas causas que me inquietam). Acredito que o ambiente escolar pode ser um local de transformação, mas para isso é necessário compreender o passado, entender os sujeitos/acontecimentos históricos em seus determinados períodos e buscar promover aos alunos uma reflexão sobre esses conteúdos escolares de forma a proporcionar a eles autonomia.
ExcluirObrigado, Gizeli. E, mais uma vez, parabéns pelo trabalho!
ExcluirObrigada Rômulo!! Abraços.
ExcluirOlá, Gizeli e José!
ResponderExcluirTudo bem com vocês?
Parabéns pelo excelente trabalho.
No recorte histórico abordado por vocês, o Brasil era uma paragem de inusitada e extremada miscigenação racial, sendo retratada e desqualificada enquanto nação fadada ao atraso e à inviabilidade. Nesse sentido, o fascínio pela Europa, tornava o Brasil oitocentista entusiasta das teorias raciais que se disseminaram nos centros, institutos, escolas e faculdades da época pela influência endógena dos ‘homens da sciencia’. Diga-me: vocês acham que esse passado respinga nas relações raciais do Brasil do nosso tempo?
Obrigado e abraço.
Antonio José de Souza
(Itiúba/Bahia)
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirOlá Toni de Souza!Estamos bem e muito felizes com a sua participação. Respondendo a sua pergunta: eu acredito que a forma de construção da narrativa histórica referente a construção do ideal de passado a ser almejado para o Brasil no séc. XIX ocasionalmente respinga nas relações sociais no presente sim. Considero que nosso papel enquanto historiadores/educadores consiste, dentre outras coisas, em problematizar a forma como alguns modelos de discurso produzidos no passado são utilizados para justificar preconceitos, endogenias e artimanhas de alguns indivíduos da nossa sociedade. indivíduos estes, que buscam, inserir seus ideais de pensamento através do silenciamento/exclusão de alguns personagens e conteúdos do currículo escolar que aparecem de forma marginalizada na escrita da história de nosso país. É necessário ressaltar que, na atualidade, já existe uma gama muito grande de historiadores que constroem suas pesquisas na contramão desse pensamento, e, mesmo em meio a essa crise vivenciada pelos historiadores, isso nos leva a ter esperança de uma escrita da história escolar mais inclusiva e transformadora dessa realidade.
ResponderExcluirObrigado, Gizele!
ExcluirForte abraço!
De nada! Conte comigo. Abraços!
ExcluirPrezados,
ResponderExcluirGrato a todos pela discussão.
A partir do trabalho em questão, defendemos que as fronteiras entre a História da Educação, História do Ensino de História e História são fluidas, porquanto compartilham aportes teórico-metodológicos afins, uma vez que tais áreas do conhecimento científico estão voltadas à compreensão da formação cultural de uma sociedade a partir das categorias: sujeitos históricos, tempo e espaço.
Com base nisso, entendemos que as diretrizes do processo educativo, além de estarem conectadas com as categorias de espaço e tempo, ajustam-se a diferentes interesses e objetivos de grupos sociais. Entendemos que, em diferentes épocas, os agrupamentos sociais são constituídos por complexas relações de poder, sobretudo de natureza política ou religiosa. O entendimento de tal dinâmica possibilita ampliar o olhar sobre nosso próprio campo de experiências sociais, porquanto produzimos questionamentos acerca do papel das instituições educacionais e seus produtos, como o livro didático, propostas curriculares e políticas públicas, que perpassam nossa formação como cidadão.
Somos, sob esta ótica, afetados por categorias de pensamento, discursos, experiências ou vivências de nosso tempo, por meio dos quais construímos nossas visões de mundo e expectativas sobre a vida bem como damos sentido à nossa efêmera existência. A educação insere-se, justamente, na aquisição e ressignificação desse universo simbólico a que somos submetidos desde que nascemos.
Grato pelas contribuições e oportunidade de diálogo.
Olá, boa noite! Gostaria de saber se houveram dificuldades para vocês em conseguirem essas fontes (os compendios) do século XIX. E como vocês veem os usos do passado clássico sendo utilizados nos livros didáticos atuais?
ResponderExcluirVERÔNICA LIMA DE CARVALHO
Olá Verônica boa tarde! Obrigada pela sua intervenção. Respondendo a sua pergunta sobre a dificuldade de encontrar as fontes analisadas na pesquisa, eu posso te responder que existe no site LEMAD (Laboratório de Ensino e Material Didático) um considerável acervo de compêndios disponíveis para serem utilizados como fonte de pesquisa. Uma de nossas fontes foi retirada de lá. Tivemos dificuldades sim. O nosso recorte temporal é datado de um período onde o material didático/compêndio de história ainda era bastante reduzido. No entanto, através de muito esforço e pesquisa conseguimos obter nossas fontes. Em relação a seu segundo questionamento, eu ainda consigo perceber, mesmo nos dias atuais, o passado (sujeitos e acontecimentos históricos) ainda utilizados de forma a fixar determinados modelos de posicionamentos que buscam satisfazer a determinados setores sociais de nossa contemporaneidade. Contudo, hoje eu também consigo perceber o esforço por parte dos historiadores em mudar essa realidade. Há muito a ser feito, mas creio que enquanto estudiosos devemos sempre aperfeiçoar nossa capacidade de transformar essa realidade.
ExcluirObrigada pelos esclarecimentos, Gizeli! E parabéns pelo trabalho!
ExcluirOlá, gostaria de parabenizar os autores a respeito da temática. Nesse sentido, questiono vocês acreditam que os manuais atuais também deveriam se utilizar de literatura clássica para melhor compreensão do período? Pergunto porque atualmente os livros didáticos pouco citam alguma produção referente ao período e quando realizam é somente através de box ou texto reduzidos e geralmente não trabalhados.
ResponderExcluiratt. Darcylene Domingues
Olá boa tarde! Obrigada pela intervenção e leitura de nosso trabalho. Respondendo a sua pergunta, Eu penso que sim, que os manuais atuais também deveriam se utilizar de literatura clássica para melhor compreensão do período. Contudo, atualmente, devido ao material didático comprimir uma gama muito extensa de conteúdos isso acaba não acontecendo. Eu sugiro a leitura dos clássicos em sala de aula como atividade complementar. Caso você possa trabalhar dessa maneira, é claro. Assim a sua aula despertará nos alunos um maior interesse sobre a antiguidade a partir da leitura das fontes/textos antigos.
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