Jacquelyne Taís Farias Queiroz


RELATO DE EXPERIÊNCIIA: 0,50 CENTAVOS DE GRÉCIA ANTIGA, A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E OS USOS DO PASSADO



A Educação da atualidade busca cada vez mais se afastar da aprendizagem mecânica. Tal questão se tornou o centro das atenções entre os estudiosos acadêmicos e o motivo de inúmeras reuniões pedagógicas nas instituições de ensino públicas e particulares. Tem-se buscado valorizar o saber e a vivência que o aluno traz consigo para iniciar um processo de ensino-aprendizagem nas mais diversas disciplinas.

Para Ronca [1980, p. 70-72], no processo da aprendizagem significativa o professor tem o papel do organizador, onde vai estabelecer uma ponte entre o que o aluno já traz de vivência/experiência e aquilo que ele precisar saber. Inclusive utilizando de comparativos que demostrem semelhanças e diferenças entre ambos os conjuntos de ideias. Dessa maneira o conteúdo a ser aprendido adquire um potencial de significado para o aluno facilitando a aprendizagem e retenção.

A aprendizagem significativa vem de maneira harmônica e coerente colaborar com a atuação do professor de História, pois, para Rocha [2001, p. 50-51], este pode proceder de uma maneira que possibilita o aluno fazer uma leitura objetiva da realidade que o cerca, utilizando como ponto de partida o imaginário do discente, o que se pretende: “na verdade, é que as representações do aluno, conscientes ou não, possam servir de elo entre o que ele já sabe e o que se supõe necessário que ele venha a saber” [Rocha, 2001, p. 62- 63].

Em diversas circunstâncias o saber que o aluno leva para as aulas que envolvem o estudo da História Antiga [sejam no Ensino Fundamental II, Ensino Médio ou Ensino Superior] são frutos dos imaginários, imagens, informações relacionadas à maneira como a política, a indústria cultural e o capitalismo em si recepcionam e utilizam dos diversos aspectos da Antiguidade para legitimar suas ações. Como por exemplo, no filme Os 300 de Esparta (2007), onde apresentou-se os gregos como belos heróis em oposição aos persas incivilizados horrendos, pois a produção fílmica somente: “traduziu em palavras e imagens, representações em voga desde a Antiguidade, e que vem sendo amiúde retomada desde o início da Idade Moderna para opor de modo irreconciliável duas esferas, a saber: o Oriente e o Ocidente” [Cordeiro; Souza Neto, 2018, p. 265-268]. Deixando bem perceptível e clara a prática do Orientalismo [Said, 2013, p. 29] da atualidade em um filme com temática relacionada ao mundo antigo.

No meio acadêmico, tem-se gerado discussões em torno da ideia do mundo antigo como presença marcante na modernidade, reformulada para atender os interesses e afirmações identitárias do presente em diversos âmbitos e setores de nossa sociedade. [Gralha; Garraffoni; Funari; Rufino; Silva, 2019, p. 11]. Nesse sentindo, para tornar a aprendizagem de diversos aspectos da Antiguidade mais significativos tenho buscado construir pequenas crônicas denominadas 0,50 centavos de Grécia Antiga disponíveis no blog Sofia e as Corujas - o link de acesso encontra-se nas referências da presente comunicação, onde faço o exercício de identificação dos usos do passado ou da maneira como a Antiguidade é recepcionada através da análise de produtos comercializados, empresas e locais de visitação pública, na tentativa de perceber a relação entre a nomenclatura dos produtos/locais e a sua finalidade.

Por que a indústria ao batizar seus produtos conclamam os deuses gregos antigos? Apesar da religião cristã ocidental e oriental demonizar e exorcizar as divindades gregas a todo o tempo, é perceptível que eles estão mais presentes entre nós mais do que nunca. Pois também se apresentam nos dias de hoje como constante fonte de inspiração para novelas, filmes, seriados, quadrinhos e literatura.

Ao elaborar as crônicas tomando como ponto de partida objetos simples e corriqueiros utilizados no cotidiano, tenho a intenção em convocar o aluno/leitor a ficar mais atento à sua realidade circundante quanto à Antiguidade como presença. Pois sempre as sociedades utilizam as percepções subjetivas sobre o passado para se construírem [Garrafoni; Funari; Silva, 2019, p. 313].

Desinfetante Ájax, sabonete Phebo, legging Atena, fogão Afrodite, lâminas para depilação Vênus e o alvejante Olimpo. Eletrodomésticos, roupas, produtos de limpeza e higiene pessoal: esses são alguns exemplos da variedade de produtos que levam nomes com inspiração em aspectos da Grécia Antiga. Em sala de aula, utilizo as crônicas para iniciar uma discussão que pode se envolver vários questionamentos: O aluno/leitor percebia anteriormente que o produto que ele utiliza possui nomenclatura que é uma forma de uso Antiguidade? De onde vem a inspiração para que X produto fosse nomeado dessa maneira? Poderíamos fazer uma ligação entre a função/objetivo do produto e a sua nomenclatura?

Nas discussões em torno das crônicas surgem as mais variadas respostas, intervenções e memórias dos alunos. Percebo que esses momentos me proporcionam a oportunidade de apresentar fontes relacionadas à Grécia antiga, como os poemas épicos e trágicos, e autores que realizam estudos modernos sobre o conteúdo das crônicas. Apresento-os com o propósito de propiciar a comparação entre as informações disponibilizadas pela academia, às fornecidas pela indústria cultural e as ideias que trazemos em nosso imaginário, buscando diferenças e similitudes. Ao longo da construção das crônicas e das discussões que se realizam tendo-as como norteadoras, pode-se perceber que muitos produtos comercializados na atualidade também fazem usos do passado do mundo antigo greco-romano, pois:

“[...] configuram processos de construção de legitimidades, memórias e imaginários. Em parte, tais construções são geradoras ou são geradas pelo fascínio e sedução que temas relativos ao Egito antigo, Grécia e Roma antiga suscitam nos indivíduos e nos grupos sociais. Devemos levar em conta que o mundo greco-romano denota para estes indivíduos, ou grupos sociais, princípios relativos à civilidade, à justiça, ao conhecimento, à cultura e a razão. Valores legados ao homem moderno.” [Gralha, 2019, p. 299].

Ou seja, os produtos comercializados ao utilizar as divindades ou personagens das narrativas gregas antigas, buscam talvez convencer o seu consumidor que o seu produto pode proporcionar ou conter os princípios mencionados por Gralha [2019]. Além dos elementos citados pelo autor e na tentativa de completar a sua linha de raciocínio, com as crônicas 0,50 centavos de Grécia Antiga tenho a intenção de se fazer perceber que provavelmente a indústria também intenciona “vender” através de seus produtos a beleza, a sensualidade, a masculinidade, a prosperidade, a sabedoria, a força e a resistência, quando evoca a Grécia dos antigos na contemporaneidade.

As crônicas se tornaram nas aulas uma via de aprendizagem significativa, aumentando a compreensão e retenção de vários aspectos do conteúdo da disciplina Grécia Antiga. Muitos alunos se mostraram surpresos ao longo das discussões com as descobertas e passam a fazer sugestões voluntariamente de temas para futuras crônica, pois a partir de então muitos alunos identificaram outros produtos, instituições, empresas, indumentárias com possíveis relações de usos do passado na modernidade. Também passam a perceber a Grécia antiga como uma presença na atualidade, o que faz se tornarem um pouco mais interessados e receptivos com a disciplina. Tais consequências venham talvez contemplar em certos aspectos, o que Ronca [1980, p. 62] menciona em relação à efetivação da aprendizagem significativa:

 “[...] duas outras condições devem ser satisfeitas [...]: o aluno deve manifestar uma [...] disposição para relacionar, não arbitrária, mas substancialmente, o material novo com a sua estrutura cognitiva e também o material a ser aprendido de ver potencialmente significativo para aquele aluno em particular”.

Leandro Karnal organizou o livro História em sala de aula, reunindo uma série de estudiosos das diversas áreas historiográficas onde cada um propõe sugestões e novas vias do ensino de História. Entre tais pesquisadores se encontra Funari [2007] que apresenta uma série de possibilidades para o ensino de História antiga em sala de aula, e dentre elas encontramos a oportunidade de relacionar a Antiguidade com o mundo contemporâneo em que vivemos. Porém, para atingirmos tal objetivo é necessário a “[...] ativação da capacidade de reflexão do aluno, diante das interpretações e aguçamento de sua curiosidade intelectual”. [Funari, 2007, p. 99].

A experiência em produzir e utilizar em sala de aula as crônicas 0,50 centavos de Grécia Antiga vem demostrando a viabilidade do desenvolvimento da curiosidade, da discussão, da aprendizagem e da significação de diversos aspectos da História antiga tomando como ponto de partida elementos do nosso cotidiano, pois a Antiguidade oferece esclarecimentos para questões relacionadas a alteridades, resistências, permanências e identidades que compõem a contemporaneidade.



Referências
Doutoranda Jacquelyne Taís Farias Queiroz é professora de História Antiga [UNEB/Campus XVIII].

Blog Sofia e as Corujas [link para acesso:
https://sofiaeascorujas.blogspot.com/

Bibliografia
CORDEIRO, L. H. B.; SOUZA NETO, J. M. G. História, quadrinhos, ensino de História antiga: panorama teórico-metodológico. In: BUENO, A.; DURÃO, G. [org.]. Novos olhares para os antigos: interpretações da Antiguidade no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Sobre Ontens, 2018. p. 253-286.
FUNARI, P. P. A Renovação da História Antiga. In: KARNAL, Leandro [org.]. História em sala de aula: conceitos e propostas. São Paulo: Contexto, 2007. p. 95-108.
GARRAFFONI, R. S.; FUNARI, P. P.; SILVA, G. J. Usos do passado e recepção: um debate. In: GRALHA, J.;GARRAFFONI, R.S.; FUNARI, P.P.;RUFINO, R.; SILVA, G. J. da. [org.]. Antiguidade como presença: antigos, modernos e os usos do passado. Curitiba: Appris, 2019. p. 313-315.
GRALHA, J. Antiguidade na Modernidade: os usos do passado como possível abordagem explicativa. In: GRALHA, J.;GARRAFFONI, R.S.; FUNARI, P.P.;RUFINO, R.; SILVA, G. J. da. [org.]. Antiguidade como presença: antigos, modernos e os usos do passado. Curitiba: Appris, 2019. p. 297-312.
ROCHA, U. Reconstruindo a História a partir do imaginário do aluno. In: NIKITIUK, S. [org.]. Repensando o Ensino de História. São Paulo: Cortez, 2001. p. 47-66.
RONCA, A. C. A teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel. In: PENTEADO, W. M. A. Psicologia e Ensino. São Paulo: Papelivros, 1980. p. 59-83.
SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.




6 comentários:

  1. Devo atribuir-lhe os créditos pelo ótimo trabalho.
    Após traçar a importância dessas aproximações para a ressignificação do aluno quanto ao processo de ensino-aprendizagem, a autora poderia dialogar quanto as dinâmicas para atingi-lo com eficácia?

    Atenciosamente, Talytha Cardozo Angelo.

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    1. Olá Talytha:
      Obrigada pela pergunta.
      Ausubel nos fala que existe uma tendência em se aumentar a aprendizagem se conseguirmos atuar no ensino tencionando a construção de subsunçores. Ou seja, criar ligações entre o que o aluno já sabe (ou vivência) e o assunto que se pretende trabalhar. Então para isso busco utilizar: bijuterias, ervas, flores, maquiagem, trechos de filmes, novela, comida, palavras. Qualquer objeto ou hábito que seja possível estabelecer essa conexão. Ao aluno perceber que de certa forma "vive" ou "conhece" um aspecto assunto (por menor que seja), já temos um excelente ponto de partida para darmos prosseguimento ao processo de aprendizagem.

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  2. Parabéns pelo excelente trabalho que vem desenvolvendo. Uma forma de tornar o ensino de História mais atrativo é justamente a aproximação do conteúdo visto em sala de aula com o cotidiano dos alunos, pois assim pode-se perceber que o passado não estar tao distante e que hoje temos muitas heranças deixado pelos gregos e romanos. Como surgiu essa ideia de trabalhar as cronicas em sala de aula? Como os alunos receberam essa nova metodologia?
    Emmanuele Vale Silva

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  3. Olá Emmanuele:
    Obrigada pela pergunta.
    Desde a agraduação me inquietava o fato das muitas pessoas utilizarem da Grécia Antiga em suas vidas, sem terem a mínima consciência disso. Então desde 2009 venho tirando fotografias de objetos de meu cotidiano tem foram inspirados ou homenageiam os mitos ou aspectos da cultura grega. Por acreditar e praticar a aprendizagem significativa, levar as crônicas para a sala de aula foi quase que "automático". Tanto no Ensino Fundamental e Médio quanto no Ensino Superior, as crônicas são bem recepcionadas, porque de maneira simples eles conseguem justamente perceber que a antiguidade não está tão distante assim. Percebo que os alunos também passam a identificar elementos de outros assuntos estudados em sala de aula em seu cotidiano e acabam trazendo essas informações para sala de aula em forma de discussão e com tom de descoberta. Sinto muitos dos alunos mais interessados e motivados para as aulas e mais dispostos a aprender.

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  4. Olá, profª Jacquelyne, fiquei muito alegre em ver um texto seu nesse simpósio, pois utilizo textos seus para estudar aspectos que envolvem os ritos fúnebres na Grécia Antiga.
    Nunca tinha parado para refletir sobre a variedade de produtos inspirados na Antiguidade, usar isso como fonte em sala de aula é genial.
    Em sua opinião, de que forma posso tornar o ensino de História Antiga mais dinâmico utilizando as diversas fontes como vasos, iconografias, moedas, tragédias em sala de aula, fazendo uma ponte com a atualidade?
    Naiana Correia Machado

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  5. Olá Naiana:
    Gratidão pelo comentário e pela pergunta.
    Fiquei muito feliz em saber que a pesquisa que desenvolvo tem sido útil para você e para seus alunos. Me deixo disponível para auxiliar sempre que precisar. Em relação a utilização de fontes da antiguidade em sala de aula (em qualquer nível de ensino), acredito ser interessante tentar fazer um link/relação com aspectos e elementos de nossa sociedade em dois aspectos:
    1- pontos de similitudes
    2- pontos de divergências
    Por exemplo, as vezes ao falar sobre as grandes obras de irrigação na Mesopotâmia primeiro falo sobre o sistema de saneamento local e depois mostro imagens de "canos" do período mesopotâmico. Os alunos sozinhos começam a perceber as diferenças e semelhanças e assim pode se iniciar uma discussão. Fazer um link, por menor que seja, pode ser um fio condutor interessante para uma aula. Pode-se fazer o mesmo com moedas, vasos gregos, estatuas e qualquer outra fonte da antiguidade.
    Jacquelyne Queiroz

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