A HQ “OS 300 DE ESPARTA” E O ENSINO DE HISTÓRIA –
CONSIDERAÇÕES, IDEIAS E ALTERNATIVAS
Assim
como a sociedade, o ensino se encontra em constante transformação e
desenvolvimento. Isso ocorre em virtude das mudanças pelas quais estamos
sujeitos, tanto pelas variações espaciais quanto temporais. De forma resumida,
o contexto histórico em que vivemos estabelece aquilo com o qual devemos lidar
para que nos tornemos aptos a sobreviver, diante das intempéries da vida.
Embora esse argumento pareça alinhado com alguma vertente do “darwinismo
social”, o nosso intuito com esse posicionamento é somente destacar a
necessidade da adaptação pessoal frente ao cenário mundial em que nos
encontramos, ou seja, a pandemia ocasionada pelo COVID-19.
Por
trabalharmos com ensino, pesquisa e extensão, muitas de nossas atividades se viram
ameaçadas, em um primeiro momento, pela necessidade do isolamento social
estabelecido pelo o governo da maioria dos estados brasileiros. É justamente
esse cenário que nos leva a refletir sobre a nossa capacidade de adaptação
perante as transformações do contexto histórico. No entanto, em que medida
essas considerações se adequam ao tema do congresso e aos aspectos associados
ao Ensino de História?
Uma
vez que a pandemia alterou a nossa rotina de vida e trabalho, devemos pensar as
alternativas diante desta mudança inevitável. Essa postura nos permitirá dar
continuidade ao processo de ensino dos alunos. Nesse sentido, aproveito para
compartilhar uma situação bastante particular com o intuito de ilustrar tal
circunstância. Pouco antes do isolamento social ser estabelecido, dois alunos
do ensino médio me perguntaram, em momentos distintos: 1] Quais os melhores
filmes que se poderia assistir para aprender a História da Segunda Guerra
Mundial? 2] Quais os melhores HQs que podemos ler para aprender sobre História
Antiga? A resposta foi enfática, para ambas as perguntas, pois, dissemos
“nenhum”.
Diante
deste posicionamento, uma questão pode ser levantada, afinal, o que levaria um
professor-pesquisador que não acredita que existam filmes e HQs capazes de ensinar
História a escrever um texto sobre Ensino de História e o uso de Quadrinhos?
É
comum, em nossa atualidade, verificarmos que o senso comum menospreza o
trabalho do historiador, bem como do professor de História, pois basta assistir
um filme ou ler um livro para que qualquer pessoa se torne um “quase
especialista” em assuntos históricos. Possivelmente, isso se deve ao pouco
valor atribuído ao conhecimento e a consciência histórica em nossa sociedade,
na qual do ofício do[a] historiador[a] não se constitui em uma profissão. Do
mesmo modo, a maioria das pessoas ainda confundem o conhecimento
historiográfico com aquilo que passou, ao invés de conceberem que todos os
escritos históricos são análises sobre o passado que se fundamentam em questões
científicas contemporâneas.
Logo,
nos cabe destacar que nenhum assunto de cunho histórico exposto por mídias
diversas será suficientemente apreendido sem o devido embasamento didático,
teórico, conceitual e temático. Dessa maneira, afirmamos que existem ótimos
filmes e belíssimas HQs que nos ajudam no Ensino de História, mas, sozinhos e
sem a devida fundamentação, não passam de entretenimento. Portanto, a sociedade
precisa perceber que filmes, desenhos, HQs, obras de literatura etc., são
ótimos mecanismos para se aprimorar o Ensino de História, porém, algumas
ressalvas são necessárias.
Como
nos advertiu Vera Candau [2013, p. 9-10] as maiores transformações vivenciadas
pelo o ensino se deram com a globalização. Esta passou a influenciar as reformas
curriculares para que os profissionais formados, a partir de então, estivessem
inseridos em um capitalismo global. Candau afirmou que a globalização preza
pela uniformização e a padronização dos valores, levando diversos grupos
sociais a se entrelaçarem em função dos pressupostos político-sociais dos
segmentos hegemônicos em um dado território. A supremacia de grupos
interessados com o capitalismo global e o fomento de uma educação mecanicista
reforça os pressupostos da pós-modernidade.
Carmen
Teresa Gabriel e Ana Maria Monteiro [2014, p. 23] definem a pós-modernidade
como um momento caracterizado pela multiplicidade, a instabilidade, além da
velocidade das notícias e da sua provisoriedade. Em certa medida, Gabriel e
Monteiro nos permite afirmar que uma das marcas fundamentais da pós-modernidade
é a efemeridade de informações e valores, sobretudo, pela brevidade como estes
se produzem e, consequentemente, se esvaem. Do mesmo modo, afirmamos que a
globalização reforça esse processo de promoção e difusão de dados informativos
que, na sua maioria, tendem a favorecer o consumo e a banalidade.
É
justamente nesse entroncamento que nós, professores e/ou pesquisadores de
História temos um papel determinante, afinal, nos cabe promover a percepção
crítica de nossos discentes perante os eventos e processos históricos, os quais
são considerados a partir do tempo presente. Logo, lançamos perguntas e
hipóteses em nossas leituras sobre o passado, em virtude da expectativa de que
essas aprimorem as nossas percepções do presente. Longe de fomentarmos uma
“História Mestra da Vida”, reforçamos que o lugar social do sujeito influencia
na sua escolha, análise e considerações sobre temáticas históricas. Sendo
assim, a presente ocasião expressa a importância das HQs como mídia alternativa
junto ao Ensino de História, haja vista a possibilidade que esta nos fornece
para pensarmos/problematizarmos questões atuais por meio de referenciais
históricos.
Mediante
o comentado, dialogamos com Circe Bittencourt [2018, p. 93] ao pontuar que o
Ensino de História deve estar articulado com às novas tecnologias, empregando
mídias diversificadas em seu processo educacional. Bittencourt [2018, p. 95]
também destaca que em uma sociedade globalizante e globalizada, as mídias
tendem a adotar um caráter alienante, levando a sua audiência a naturalizar
diferenças sociais e econômicas. O posicionamento de Bittencourt nos permite
fundamentar a resposta que demos aos alunos do ensino médio, citados acima.
Afinal, a maioria das mídias alternativas empregadas nas salas de aula, em
virtude da disponibilidade de acesso, ainda provém do cenário mainstream.
Nesse caso, o consumo desse tipo de material sem o devido embasamento
educacional, apenas estimulará o desenvolvimento e a disseminação de um olhar simplista
e/ou hegemônico diante do passado e do Ensino de História.
Feitos
os devidos esclarecimentos, iremos direcionar as nossas análises à HQ “Os 300
de Esparta” da autoria de Frank Miller e a maneira como esta pode ser empregada
como um instrumento profícuo para o Ensino de História. Com isso, Ana Paula
Soares [2014, p. 212] reitera que a maioria das HQs são direcionadas ao público
jovem, fazendo com que o seu uso em sala de aula aproxime os alunos da
disciplina e do conhecimento. Soares destaca que a relação dos professores com
mídias e linguagens inerentes ao universo jovem, permite que o docente se
aproxime dos discentes, promovendo uma educação ativa que valorize a
contribuição destes no processo de ensino-aprendizagem.
No
que concerne à HQ “Os 300 de Esparta”, o nosso enfoque recairá nas
representações presentes no discurso escrito e imagético da obra, os quais
tendem a corroborar uma perspectiva hegemônica de ensino, na qual Esparta e os
seus cidadãos são referenciais de uma cultura militar e austera. Em virtude
dessa singularidade, mobilizamos o arcabouço conceitual da Análise do Discurso
francesa pela perspectiva de Dominique Maingueneau. Segundo o autor, a Análise
do Discurso nos permite relacionar os textos com as instituições, espaços e interesses
que restringem, ou favorecem, a sua enunciação. Com isso, Maingueneau [1997, p.
11-15] afirmou que o discurso cristaliza os conflitos históricos, sociais e
culturais nos quais, e para os quais, foi produzido.
Diante
do comentado, Maingueneau [1997, p. 20] destacou que o conceito de discurso
define o que pode e o que deve ser dito em virtude da posição que o sujeito
ocupa em um dado contexto histórico. Tal afirmação demonstra a necessidade de
considerarmos o discurso e a representação engendrados por Frank Miller em “Os
300 de Esparta”, para tentarmos entender as suas possíveis motivações ao
caracterizar à cultura espartana de uma maneira demasiadamente convencional e
típica da “miragem espartana”. Para tanto, pequenas considerações devem ser
feitas em relação à trajetória de Miller.
O
lugar social de Frank Miller
A
produção de Miller se tornou marcante pelo seu trabalho com “Demolidor: o homem
sem medo”, “Elektra vive” – ambos pela Marvel Comics, “Batman: The Dark Knight
Returns” e “Ronin” da DC Comics. Não somente o seu traço estilizado como o seu
roteiro direcionado ao público mais adulto foram merecedores de reconhecimento
e admiração por toda uma geração de consumidores de quadrinhos. Entretanto, com
a série “Sin City” e “Os 300 de Esparta” Miller ficou reconhecido para além do
cenário quadrinístico, afinal, estas obras foram transformadas em filmes. Estas
duas últimas obras, somadas a “Ronin”, garantiram a Miller grande relevância na
indústria de quadrinhos por serem dotadas de personagens autorais. Contudo, o
grande diferencial do trabalho de Frank Miller foi a maneira como as suas
personagens manifestavam sentimentos humanos. Com um alto teor emocional,
Miller fez com que a sua audiência se identificasse com os heróis ali
representados, pois, os anseios destes eram facilmente identificáveis pela
audiência de leitores [Goidanich; Kleinert, 2014, p. 322-323].
O
fato das HQs de Miller terem sido adaptadas para o cinema reforçam a maneira
como estas obras foram consumidas pelo o público em geral. Tal informação
destaca a importância de um aparato teórico-metodológico para lidar com as
representações nas HQs de Miller. Portanto, cabe aos professores demonstrarem
que o conhecimento oriundo dessas mídias e suportes não pode ser apreendido de
forma natural e imediata, havendo a necessidade de leituras e análises críticas
acerca dos discursos presentes nos quadrinhos. Para tanto, é fundamental que
consideremos o lugar social de Miller, enquanto autor, para problematizarmos as
suas possíveis motivações ao elaborar “Os 300 de Esparta”.
Se
considerarmos o contexto histórico imediato ao lançamento da obra, em 1998, não
conseguimos identificar razões que motivassem Miller a desenvolver o enredo de
“Os 300 de Esparta” enaltecendo os feitos dos guerreiros espartanos.
Entretanto, a relação dos Estados Unidos da América e outras potências
Ocidentais com o Iraque, vinha se desestruturando com o final da Guerra do
Golfo, em 1991 [Hobsbawm, 1995, p. 540-541; Huntington, 1996, p. 251-252]. No
entanto, qual a relação deste contexto com o enredo da HQ “Os 300 de Esparta”?
Em
uma entrevista realizada como extra da versão especial do filme “300”, Miller
[2007] afirmou que a sua HQ foi inspirada no filme de Rudolph Maté, intitulado
“Os 300 Espartanos” de 1962. No decorrer desta entrevista, Miller complementou
que os espartanos de sua HQ representavam aqueles que estavam dispostos a
morrer pelo o que é certo. O discurso de Miller estabelece um posicionamento
parcial acerca daquilo que o autor considera “certo” e, consequentemente, a sua
contrapartida. Ao retomarmos a conjuntura relativa ao pós-Guerra do Golfo e o
empenho norte-americano com o desarmamento do Iraque, os seus efeitos serão
sentidos com o envio de tropas estadunidenses ao território iraquiano por
ordens do presidente George W. Bush, em 2003.
Como
nos chamou a atenção Lynn Fotheringham [2012, p. 416], a questão do treinamento
militar espartano, representado na HQ “Os 300 de Esparta”, faz uma analogia aos
exercícios físicos desempenhados pelo o Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados
Unidos da América [marines]. Em certa medida, Gideon Nisbet [2008, p.
70-76] havia apontado para esses aspectos ao afirmar que os espartanos de
Miller foram representados como um protótipo da conduta norte-americana frente
aos seus inimigos considerados como “injustos”. Não podemos negar a influência
de Maté sobre o jovem Frank Miller, porém, o diretor era polonês e desenvolveu
“Os 300 Espartanos” em plena Guerra Fria. Somado a isso, Miller é
norte-americano e cresceu neste período de enfrentamento entre os blocos
capitalista e socialista. Com isso, o quadrinista teria se utilizado da
representação de Leônidas e dos espartanos nas Termópilas produzida por Maté
para criar o enredo de sua HQ “Os 300 de Esparta”. Levantamos a hipótese de
que, nesta ocasião, Miller promoveu um discurso a favor dos esforços
norte-americanos, em sua autopromoção de nação democrática que lutava pela
liberdade dos demais países, contra as tiranias do Oriente.
Embora
não possamos afirmar com precisão, o discurso de Miller em “Os 300 de Esparta”
pretendia enaltecer os esforços dos soldados norte-americanos que, desde a
Guerra Fria, vinham se esforçando por impedir governos orientais e “despóticos”
de se tornarem hegemônicos no mundo. Corroboramos Nisbet e Fotheringham, pois
Miller caracterizou os espartanos como sujeitos dotados de um “ideal nacional”
inabalável, dispostos a morrerem em prol de sua pólis. Essa imagem
serviria, facilmente, de propaganda para jovens norte-americanos em idade
militar, ou prestes a entrarem neste estágio de suas vidas, empenhados em
subjugar os “desvarios da opressão oriental”.
Essa
introdução apenas reforça a necessidade de o professor/pesquisador estabelecer análises
mais aprofundadas com os seus alunos e/ou orientandos ao trabalhar com
quadrinhos. Afinal, nenhum discurso é imparcial e, em associação ao lugar
social de seu locutor, pode manifestar as variáveis inerentes ao contexto
histórico em que foi produzido. Logo, uma HQ e um filme não servem como
instrumento de ensino, a menos que saibamos identificar as características que
os tornam mídias de consumo em uma sociedade globalizada como a nossa.
Ensinando História
com “Os 300 de Esparta” – algumas possibilidades
Com
o intuito de auxiliarmos na utilização da HQ “Os 300 de Esparta” para o Ensino
de História, selecionamos alguns trechos que podem ajudar no processo de
ensino-aprendizagem. Para além do que apresentamos, cabe ao professor
estabelecer um roteiro que abarque não somente a trajetória do autor da obra,
com ênfase ao seu lugar social, como também uma “alfabetização” dos discentes
no que concerne à leitura dos quadrinhos. Nesse caso, os elementos presentes no
discurso imagético devem ser considerados em sua totalidade, englobando o
discurso escrito. Via de exemplo, selecionamos a imagem abaixo:
Figura
1 – Espartanos rumo
às Termópilas ao som do aulós [Miller; Varley, 2006, cap. 1, p. 5].
Nesta
imagem, temos alguns elementos que podem ser discutidos em sala de aula. O
primeiro deles diz respeito à maneira como os espartanos estão marchando de
forma ordenada. De fato, Plutarco [Vida de Licurgo, 22.2-3] afirmou que
os espartanos marchavam em ordem ao som do aulós. A distinção é que
Plutarco comenta sobre a marcha dos guerreiros espartanos diante dos inimigos e
não no trajeto para o campo de batalha. Reparem que no rodapé da imagem acima
[seta azul], temos um guerreiro marchando à frente tocando o aulós
enquanto os demais se deslocam.
No
que concerne à vestimenta dos espartanos da imagem, verificamos que estes
portam somente uma capa vermelha, o escudo e o elmo, além de proteções para os
antebraços e as pernas abaixo dos joelhos. De fato, nenhum guerreiro hoplita
iria para um confronto armado sem a sua armadura completa [panóplia], o
que incluía a couraça, além das grevas/cnêmides, o elmo, o seu escudo [hóplon],
a sua lança e a sua espada. Entretanto, Xenofonte [Constituição dos
Lacedemônios, 11.3] parece ter sido o indício literário de Miller para
caracterizar os guerreiros de Esparta dessa maneira. No trecho citado,
Xenofonte afirma que o mítico legislador Licurgo estabeleceu que os espartanos
deveriam levar para a batalha um manto vermelho púrpura e um escudo de bronze.
Contudo, notamos que o autor ateniense enfatizou os elementos acima em virtude
da sua singularidade, se comparada a outros helenos, mas, não negou a
necessidade dos demais instrumentos de batalha.
Ao
cotejarmos as informações presentes na HQ “Os 300 de Esparta” com os indícios
documentais da Antiguidade clássica, verificamos que não fazia sentido um
guerreiro hoplita marchar sem a sua armadura completa, tida como equipamento
necessário para todos os guerreiros espartanos. Portanto, Miller parece ter se
interessado em desenvolver esse equívoco propositadamente, com o intuito de
exaltar a compleição física dos espartanos de sua HQ. Todavia, os indícios
materiais reiteram a perspectiva literária e nos ajuda a refutar a
representação estereotipada dos guerreiros de Miller, pois, já no período
Arcaico, os homens de Esparta faziam oferendas votivas em bronze com hoplitas
trajando a panóplia.
Figura
2 – figura votiva
em bronze dedicada por um espartano no santuário de Apolo Corinto na Messênia,
de aproximadamente 540 e 525 a.C. [Museu Nacional de Atenas, nº 14789] [Rusch,
2011].
Se
retomarmos o posicionamento de Lynn Fotheringham [2012], Miller elaborou um
discurso de exaltação dos “marines” norte-americanos, cujo treinamento foi
emulado em outra cena da referida HQ [figura 3]. Dessa forma, podemos entender
as motivações do quadrinista ao destacar os atributos físicos dos guerreiros
espartanos, uma vez que estes serviriam de exemplo para um ideal de “combatente
perfeito”, esperado dos norte-americanos contemporâneos.
Figura
3 – Jovens
espartanos submetidos a duros treinamentos físicos, mesmo durante as campanhas
militares [Miller; Varley, 2006, cap. 3, p. 3].
Nesta
figura Miller representa os jovens guerreiros espartanos treinando durante as
expedições militares, nas quais os veteranos permanecem de pé sobre as costas
dos mais jovens, sem que estes pudessem reclamar. Nessa cena, o jovem em
posição de flexão na direção da seta azul chega a afirmar “eu estou amando,
senhor”. Existem grandes possibilidades de que Miller tenha se baseado, mais
uma vez, no discurso de Plutarco [Vida de Licurgo, 9.3]. O referido
autor clássico ajudou a difundir a ideia de que os espartanos negligenciavam o
conhecimento retórico e literário para se dedicarem unicamente ao treinamento
físico-militar. A tradição literária manifestada por Plutarco já havia sido
exposta por Tucídides [II, 39], no século V a.C., em sua “oração fúnebre de
Péricles”.
Outro
elemento que merece destaque é a representação dos jovens em processo de
formação, o qual é caracterizado como extenuante e brutal. Essa foi reforçada
por Miller em sua obra, onde podemos verificar um bebê sendo inspecionado e
“descartado” do monte Taigeto, bem como um jovem em sendo açoitado e agredindo
parceiros de formação. Tal perspectiva se tornou amplamente reconhecida no
Ocidente Moderno e Contemporâneo pelo discurso de Plutarco [Vida de Licurgo,
16.1, 16.5, 17.3]. Diferentemente de Plutarco, Xenofonte [Constituição dos
Lacedemônios, 2.2-11] projetou uma imagem idealizada da educação espartana
com a intenção de enfatizar os prejuízos da formação dos jovens na democracia
ateniense. No entanto, em Xenofonte as punições tinham um caráter pedagógico e
não eram excessivas como em Plutarco. Por sua vez, Miller seguiu a ótica
plutarqueana, de tal maneira que a sua representação dos espartanos adquirisse
um tom dramático, no qual todo o esforço acabava selecionando os melhores para
servirem à pólis.
Figura
4 – Infante sendo inspecionado e descartado do monte Taigeto, seguido por
um jovem em processo de formação, cuja ênfase recai em todo o sofrimento deste
período de passagem [Miller; Varley, 2006, cap. 3, p. 3].
Na
figura acima [4], Miller apenas reforçou a brutalidade espartana para com os
seus jovens que, em uma perspectiva de causa e efeito, estaria preparando o
sujeito para uma vida militarizada em função do governo e das leis de sua pólis.
Ao cotejarmos as informações presentes em “Os 300 de Esparta” de Frank Miller e
os indícios documentais da Antiguidade, verificamos que o quadrinista
selecionou os vestígios que melhor se adequavam aos seus interesses
político-sociais. Com isso, a perspectiva de Miller endossou a tradição literária
difundida por Plutarco, na qual Esparta foi uma sociedade militarizada e pouco
inclinada à qualquer atividade de cunho intelectual. Por outro lado, Plutarco
apenas seguiu a tendência de autores como Tucídides, Eurípides e Aristóteles,
cujo lugar social influenciou na maneira como esses observavam a conduta e as
práticas culturais espartanas. Todos esses autores clássicos citados viam em
Esparta uma sociedade de excessos, o verdadeiro contraponto de uma Atenas
democrática e amante da liberdade.
Em
vias de conclusão – o papel do professor/pesquisador
Todavia,
qual o verdadeiro valor desse tipo de análise? Recentemente, em três turmas de
primeiro ano do Ensino Médio, em três escolas particulares do estado do Rio de
Janeiro, tivemos a oportunidade de ministrar o conteúdo de História Antiga.
Todas essas instituições se utilizam do material didático da rede de ensino
Somos Educação. A diferença é que em duas temos o sistema de ensino Anglo, com
a apostila Bienal, e a última se utiliza do sistema de ensino pH.
Para
a nossa surpresa, o livro texto que serve de referencial para a apostila Bienal
1 – material direcionado ao primeiro bimestre do primeiro ano do Ensino Médio –
chegou a apresentar características da sociedade espartana, em sua análise da
“Antiguidade grega”. Esparta foi definida, de imediato, como uma sociedade
militarizada, escravista, restritiva e opressora, que em virtude do excesso de
práticas militares dos homens permitia que as mulheres exercessem grandes
atividades administrativas [Silva; Dorigo; Miranda, 2016, p. 30-31]. Já a
apostila pH, nem mesmo chegou a citar Esparta, fazendo com que o aluno
considerasse somente Atenas como referencial de cultura helênica na Antiguidade
[Vieira et al, 2017, p. 187-188].
O
exemplo que demos acima apenas reforça o problema de visões estereotipadas para
o Ensino de História. Não estamos querendo fazer proselitismo e defender que os
livros didáticos caracterizem Esparta de forma mais acadêmica. Defendemos, sim,
que o Ensino de História e o posicionamento dos autores dos materiais didáticos
sejam explícitos quanto as suas escolhas. Isso porque, a “Antiguidade grega”
como uma herança cultural do Ocidente foi uma construção europeia e Atenas como
modelo político, militar e cultural uma marca das escolhas inglesas, francesas,
alemães e soviéticas, entre os séculos XIX e XX. Portanto, longe de demonstrar
que a História é composta por “grandes fatos” e que “contra fatos não há
argumentos”, os profissionais da História devem instigar os seus discentes e
orientandos a questionarem e a se indagaram do motivo pelo o qual estudam
determinados temas.
Falar
da Antiguidade Ocidental direcionando a atenção somente para Atenas, Esparta e
Roma – na melhor das circunstâncias – ignora toda à contribuição do Oriente
Próximo e Médio, além da África e da Índia, para o desenvolvimento da cultura
mediterrânica. Portanto, um capítulo sobre o Mundo Antigo Mediterrânico que
direciona as suas atenções e interesses somente para a Ática e o Lácio, nos
impede de perceber a amplitude das interações e dos contatos político-sociais
que engendraram aquilo que, futuramente, ficou reconhecido como Europa. Sendo
assim, o discurso de Frank Miller pode ser um diferencial em turmas do Ensino
Médio que, em virtude da faixa etária, nos permitirá discorrer sobre os
interesses inerentes àquela representação que esta HQ acabou por fomentar, além
de enfatizar que todo o posicionamento presente no material didático das
instituições de ensino brasileiras se alinham com interesses que superam as
escolas.
Referências
Luis Filipe Bantim de Assumpção é Doutor
pelo o Programa de Pós-graduação em História Comparada da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Assumpção é especialista em Grécia Antiga com ênfase à
sociedade de Esparta no período Clássico, mas, também desenvolve pesquisa em
Ensino de História, sobretudo, no que concerne ao uso de Histórias em
Quadrinhos em sala de aula. Atualmente, realiza o pós-doutorado no Departamento
de Letras Clássicas da UFRJ, sob a orientação do Prof. Rainer Guggenberger. O
referido pesquisador é Professor-tutor presencial do curso de graduação em
História da UNIRIO, por meio do consórcio CEDERJ, atuando no polo de Cantagalo
nas disciplinas de História Antiga, História Medieval e História e Sociologia.
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& Friends. 300 – Informações especiais, Disco 2.
Direção Z. Snyder. Califórnia: Warner Bros. Entertainment Inc., 2007/2012.
Bom dia, achei o texto muito interessante, principalmente por instigar uma nova reflexão acerca dos quadrinhos de Frank Miller. Uma colocação que me parece muito pertinente vem no sentido da relação da hq de Miller com os esforços de guerra norte-americanos. Como sabemos os Estados Unidos possuem um regime "bipartidário", o curioso é que Esparta também possuía uma Diarquia, no contexto da Batalha das Termópilas, com Leônidas e Leotíquides, além disso Esparta assim como os EUA possuíam uma espécie de parlamento, a Gerúsia, esta se assemelha muito ao senado americano, pois a mesma era constituída de 30 membros vitalícios com mais de sessenta anos. Tendo em vista tudo isso, você acredita que é valido abordar essas questões em forma de comparação com o intuito de tentar aproximar não só beligerância do mundo antigo, mas também as instituições antigas que moldaram nosso cenário político ocidental atual? Ainda nessa questão, acredita que valha a pena utilizar a hq de Miller como forma de discutir questões contemporâneas quando a-priori seu valor real se mostra na discussão do mundo antigo?
ResponderExcluirDavi Santos Rocha
Olá Davi,
ExcluirObrigado pela pergunta e o interesse.
De imediato, a HQ de Frank Miller não pretendeu discutir o mundo antigo. Ao contrário, ela nos permite ter o mundo antigo como uma referência para se pensar questões contemporâneas.
Essa aproximação entre práticas políticas é forçosa, feita de tal maneira que o ocidente possa legitimar a sua "herança greco-latina".
Os EUA e a Esparta Antiga não tem nada em comum, mas, os norte-americanos se utilizaram de toda a tradição da Antiguidade para adaptar a sua organização política em função dos interesses de uma elite, a qual via na Grécia antiga um referencial para os seus valores. Essa é uma tendência oriunda do Iluminismo francês, mas, remonta a "Querela entre os antigos e modernos".
Eu sugiro que você, ao utilizar essa HQ, faça uma introdução sobre quem é Frank Miller, o seu papel e posicionamento na indústria quadrinística, e como se apropria de uma Antiguidade para transmitir uma mensagem de enaltecimento da "cultura guerreira" para justificar atitudes militares norte-americanas.
Espero ter respondido.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
Excelente texto. As histórias de Miller de fato são deveras interessantes, tanto as baseadas em mera ficção como nas que, de uma forma ou de outra, tem alguma fundamentação com algum fato histórico, ainda que usando de certos exageros. Não somente as obras de Miller, mas também John Byrne e Jack Kirby (criador do Capitão América), despertam o interesse dos leitores por suas histórias fantásticas e pelo apelo muitas vezes emocional (caso de Kirby e o simbolismo patriótico do Capitão América). Gostaria de perguntar com o autor entende a influencia das HQ's nos alunos do ensino fundamental e médio, como um tipo de mídia de propagação de um ideal, seja ele ético, moral ou cultural, que é baseado em esteriótipos construídos por personagens com características (sejam elas físicas ou morais) tão destacadas e, por quê não dizer, exageradas propositalmente?
ResponderExcluirBom dia, Rodrigo.
ExcluirObrigado pelo comentário, o interesse e a pergunta.
Sim, eu entendo justamente as HQs como uma mídia de informações que pretende promover e propagar ideais, junto ao seu público/audiência.
E, sim, todos os estereótipos são propositais, afinal, a mensagem precisa ser claramente introjetada e absorvida para fazer sentido no público leitor.
Via de exemplo, diante das questões políticas, sociais e culturais relativas as pesquisas de gênero, as relações étnico-raciais e a uma percepção de mundo mais global e desconstruída, a empresa do Maurício de Sousa começou a criar quadrinhos voltados para esses tipo de debate.
Logo, não podemos pensar o discurso quadrinístico como inocente, pois, ele se adéqua as demandas de mercado e com o PNLD, muitas empresas investem em quadrinhos para que estes possam compor as bibliotecas das escolas públicas, de modo que estejam alinhados com interesses específicos e fomentem ideias singulares diante da realidade político-cultural que vivemos.
Espero ter respondido.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
Qual o impacto que para você a utilização de materiais alternativos como HQs, filmes e séries tem no ensino de história antiga no ensino fundamental? Pois nas experiências que tive de ensino tradicional de certo modo foram frustrantes, já que os alunos entendiam como um conteúdo sem relevância para sua vida atual.
ResponderExcluirWillames Nunes da Silva
Olá Willames,
ExcluirObrigado pela contribuição. Quando nós pensamos essas mídias alternativas e o ensino de História Antiga é fundamental que, de imediato, o professor saiba esclarecer a função e o propósito da Antiguidade.
Na verdade, a maioria dos meus alunos - tanto no ensino básico quanto no superior - não sabem a função do conhecimento histórico em suas vidas, respondendo com a lógica de uma "História Mestra da Vida" quando indagados sobre isso.
Perceba que as nossas expectativas são maiores do que muitas vezes vivenciamos, afinal, temos uma preconcepção do que é o mundo antigo e do potencial dessas mídias no ensino.
Dito isso, o material só impactará de forma "positiva" se houver um planejamento prévio somado a preparação dos alunos. Isso porque todas as mídias citadas por você são contemporâneas, criadas em função dos interesses contemporâneos e das interpretações que estes tiveram do passado. Logo, nenhum deles te ajudará, por si só, a entender melhor a História Antiga.
Recentemente, um aluno meu perguntou se daria para aprender sobre Antiguidade grega com Assasin's Creed Odyssey. A minha resposta foi "depende". O jogo não tem o compromisso de ensinar nada, ele se utiliza do histórico porque favorece a criação do enredo e de muitas personagens. Agora, caberá ao professor se utilizar desses elementos para aprimorar o ensino.
Eu amo utilizar "300" em sala de aula, sobretudo, para discutir relações geopolíticas e econômicas nos últimos anos do século XX. Acho que nunca utilizei o mesmo para tratar de Antiguidade.
Para o aluno não se entediar, acredito que seja fundamental um planejamento. No entanto, na condição de professor, inevitavelmente não seremos capazes de mantê-los compenetrados em todas a aulas.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
Boa noite Luís Filipe, excelente texto.
ResponderExcluirPrimeiramente, tive a oportunidade de trabalhar com filmes e HQs em sala de aula no Ensino Médio de uma rede pública uma vez e tive dificuldades em lidar com os quadrinhos. Por motivos socioeconômicos, talvez, o universo das HQs não faziam parte da vida dos estudantes, por isso acredito não ter atraído tanto eles ao conteúdo e à discussão. Por outro lado, tive mais sucesso com filmes. Gostaria de saber sua opinião se estamos vivendo uma época em que as HQs estão perdendo espaço diante outras fontes midiáticas de massa como filmes e jogos eletrônicos.
A segunda pergunta é em relação a uma experiência que tive em sala de aula (no caso com o filme 300), tratei a produção do filme dentro de um contexto de uma potência norte-americana que, na ausência de um inimigo comum com o fim da URSS, passa a criar um novo "arqui-inimigo" contra a civilização na imagem do islã e do Oriente. Gostaria de saber sua opinião sobre esta interpretação e se não seria forçoso "transplantar" a imagem dos EUA na Grécia e do mundo Islâmico no Império Persa.
Quando trabalhei com filmes utilizei justamente o filme 300 e achei interessante trabalhar com os alunos não só a apropriação do passado pelo filme e entender o filme como fruto de seu período histórico de produção (como citado no texto), como também para trabalhar o anacronismo histórico. Não conheço a HQ e não sei se esta cena do filme está presente nela, mas em uma dada cena Leônidas se indaga o porque de Esparta não lutar na guerra quando os Atenienses "amantes de garotos" e filósofos estavam justamente lutando. Utilizei esta cena justamente para tratar justamente da comum relação homoafetiva na antiguidade e sua importância inclusive na estrutura militar espartana. A atribuição negativa que Leônidas, no filme, dá aos atenienses "amantes de garotos" como se tornasse Atenas mais pacífica e menos "máscula" trata-se não apenas de um erro histórico mas também de um anacronismo onde transportasse uma série de valores contemporâneos para o passado. Nesse caso tive mais acesso.
Apenas citei essa passagem para adicionar ao que você disse no artigo, de como tais materiais de ensino-aprendizagem não ensinam por si, não são didáticos, e precisam da intervenção do professor. Ao passo que essa intervenção, aos poucos, estimula o aluno a agir de forma independente diante dos produtos midiáticos dos quais ele consome, abordando-as criticamente.
Obrigado,
Igor Oliveira de Souza
Estimado Igor,
ExcluirAgradeço o comentário e o interesse. Essa questão da HQ não fazer parte do universo de uma parcela dos nossos jovens é aceitável diante das edições e dos álbuns lançados como “para colecionadores”, tornando-se inacessíveis para a maioria daqueles que não trabalham. A maioria dos pais não se sente a vontade em pagar cem reais em um “gibi”. Nesse sentido, eu entendo a sua angústia e, inevitavelmente, concordo em certa medida. Por outro lado, como uma parcela dos jovens está mais propensa as séries e aos vídeos, o quadrinho e a sua leitura se torna uma prática cansativa e muito dos meus alunos a rejeita.
O que eu geralmente faço é escanear os trechos que pretendo trabalhar e utilizá-los em minhas aulas em função das necessidades. Agora, de fato, os filmes acabam sendo mais acessíveis.
Quanto a sua segunda pergunta, eu concordo plenamente com essas questões. A HQ e o filme são frutos de seu tempo e sociedade, manifestando o lugar social de seu autor e/ou diretor. A Antiguidade é utilizada como uma alegoria e um referencial histórico para demonstrar que certas práticas sempre existiram.
Esse trecho onde Leônidas chama os atenienses de pederastas foi criticado por Alan Moore em uma entrevista. Essa postura de Moore rendeu uma resposta do Frank Miller. Nessa ocasião, o Miller disse que não pretendia ter compromisso histórico e que esperava corresponder à realidade de seus leitores.
Por fim, essa perspectiva de que os materiais não são didáticos, eu desenvolvi com base em minhas leituras e pesquisas. O que não impede que outros sejam contrários, mas, fico feliz que tenha servido a você.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
Olá, Prof. Luis Filipe, ótimo texto!
ResponderExcluirDe certa forma, a HQ de Frank Miller reforça estereótipos acerca do que se sabe sobre Esparta, como o modo de vida totalmente voltado para as práticas militares. Por outro lado, omite características que provavelmente o autor considerou inconveniente, como as relações homoafetivas entre espartanos. Por isso, a HQ pode ser usada em sala de aula justamente para discutir as distorções, revisões e anacronismos contidos nela. Entretanto, seria possível apresentar elementos do mundo grego antigo, tendo a obra também como base?
Dalgomir Fragoso Siqueira
Olá Dalgomir,
ExcluirObrigado pelo comentário.
Tudo vai depender do seu objetivo com a obra. Esta nos ajuda a discutir questões como a presença de negros no exército persa, considerando que o Egito fora dominado no século VI a.C. Nos ajuda a problematizar, sobretudo, a "miragem espartana". Esse conceito foi desenvolvido por François Ollier na década de 1920, cuja definição é que grande parte do que conhecemos de Esparta se deu pela representação que faziam dessa sociedade e da forma como os seus cidadãos se representaram. Portanto, a Esparta clássica seria uma "ilusão" composta da apropriação que fizeram dessa pólis.
Agora, de uma maneira mais geral, é mais fácil trabalhar com as distorções. Uma sugestão é que você procure a HQ "Three" de Kieron Gillen, a qual tentou demonstrar que "300" era pouco histórica, tentando enfatizar o seu compromisso com "aquilo que Esparta foi".
O interessante é verificar a retórica de Gillen, na tentativa de inferiorizar a produção de Miller e se tornar um referencial na temática sobre Esparta. Essa obra está sendo vendida como e-book pela Amazon.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
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ResponderExcluirO texto faz referência análogia ao período histórico dos Espartanos na Grécia, com os fatos dos americanos se promoveres como heróis em um contexto anacrônico. Isso poderia ser uma forma de manipulação no cenário histórico como forma de transformação no aprendizado dos alunos.
ResponderExcluirGERONILDO OLIVEIRA DA PAIXÃO.
Olá Geronildo,
ExcluirObrigado pelo comentário. Então, como havia comentado, a HQ não foi feita para ser empregada como instrumento escolar. No entanto, não podemos esquecer o potencial pedagógico de todo quadrinho, portanto, Frank Miller tinha um interesse particular com a sua obra, a qual foi uma representação da Antiguidade visando promover a imagem dos guerreiros ocidentais - com o foco nos norte-americanos.
Portanto, eu te pergunto, qual quadrinho não manipula a realidade?
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
Olá, Prof. Luis Filipe, lhe parabenizo por seu texto.
ResponderExcluirEu particularmente gosto muito destas formas diferenciadas de transmissão de conteúdo. Queria saber um pouco, sobre o que você pensa de usar as HQ ou outros métodos como as TIC's pode auxiliar também no ensino acadêmico, por exemplo na disciplina da História Antiga.
MARIA LUISA SOARES MARCOLINO
Olá Maria Luisa,
ExcluirAgradeço pelo o seu comentário.
Sinceramente, eu acredito que toda e qualquer mídia e tecnologia de informações pode auxiliar no ensino, em todos os seus níveis, e não somente para a História Antiga.
Entretanto, o mais importante é o planejamento prévio e a seleção do que se objetiva com o uso destas mídias e tecnologias, bem como a maneira como serão empregadas.
Alguns colegas meus chegam a acreditar que o usos destes instrumentos são a panaceia do ensino, mas, eles sozinhos, não resolvem e não aprimoram a nossa realidade didático-pedagógica.
Portanto, o planejamento, a seleção do conteúdo e o estabelecimento dos objetivos permite que utilizemos essas mídias e tecnologias, em conformidade ás disciplinas e aos níveis de ensino.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
O su foi extremamente interessante e informativo. Eu também já havia reparado que a narrativa dos povos gregos estão sendo usado no mainstream como ferramenta para construção de passado glorioso branco ocidental, como você têm trabalhado isso com seu alunos?
ResponderExcluirLaura Pereira de Castro
Obrigado pela contribuição, Laura.
ExcluirEu tenho trabalhado contextualizando essas mídias mainstream com documentos históricos. No entanto, o principal é estabelecer um planejamento sobre a maneira que irá utilizar esses materiais e os seus objetivos com os mesmos. Digo isso porque já utilizei quadrinhos e filmes que abordam outras temáticas para pensar a Antiguidade, ao invés de obras que tenham o mundo antigo como referencial. Afinal, muitas vezes, a Antiguidade é somente um "plano de fundo" empregado como instrumento para a legitimação de um discurso contemporâneo.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
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ResponderExcluirOlá! Prof, Luis Felipe.
ResponderExcluirGostaria de parabeniza-lo pelo texto.
É interessante notar como analisa não só o conteúdo da obra como também coloca o autor da HQ no contexto social de seu tempo, por meio do texto, considerando as histórias em quadrinhos como opção e uma ferramenta para o ensino de história, gostaria de saber qual seria seus apontamentos com relação ao uso de charges na sala de aula, como ferramenta semelhante aos usos de HQs? Seria possível utilizar as charges como uma contribuição para construção de indivíduos mais críticos de determinadas imagens generalistas de certo povo, como por exemplo o estudado acima?
Gabriel Martins da Silva.
Olá Gabriel,
ExcluirAgradeço o seu comentário. A charge tem um potencial analítico incrível e pode ser empregada como um instrumento no/do processo de ensino-aprendizagem.
Entretanto, como a charge detém a sua singularidade, é interessante que se pense no método mais adequado para trabalhá-la. Do mesmo modo, a charge é produzida em função de um contexto muito mais específico e preciso, havendo a necessidade de uma contextualização significativa do lugar social da charge e do seu autor, para daí se estabelecer um planejamento capaz de adequar o uso desta ferramenta com as suas aulas.
Por fim, não acredito que a charge torne o sujeito mais crítico, mas, sim, que na condição de professor você pode se utilizar das charges para que os discentes desenvolvam ou aprimorem a criticidade.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
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ResponderExcluirÓtimo texto, professor! Penso que uma das maiores vantagens de se usar mídias alternativas para o ensino em sala de aula é a conexão com os alunos. Digo, são nestes filmes, HQs, livros e animações que alunos do ensino fundamental e médio encontram seu entretenimento, e fica muito mais fácil conectar uma memória agradável com a aula para fazê-los se focarem e refletirem sobre a matéria dada.
ResponderExcluirDito isso, pergunto: O ensino comparativo não é uma boa ideia quando se trata de usar estas mídias para enriquecer uma sessão de ensino? Ou seja, de certa forma "se aproveitar" das falhas, das más interpretações e dos estereotipos para se alcançar a real forma da história?
Obrigada novamente pela atenção e pela incrível leitura.
Renata Naomi Otto Kawano
Estimada Renata,
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
De fato, a comparação é um instrumento fundamental para que possamos problematizar certas representações de mundo. No entanto, o maior dos problemas é que, em inúmeras ocasiões, a maneira como a Antiguidade (via de exemplo) é abordada nos materiais didáticos, é tão insatisfatória quanto os estereótipos das mídias alternativas.
Sendo assim, acredito que o melhor seja estabelecer um planejamento para organizar as informações disponíveis e os objetivos a serem alcançados com o uso de tais mídias.
Entretanto, se partirmos da ideia de que o conhecimento historiográfico lida com interpretações, me questiono se seria possível alcançarmos a real forma da História - como você sugeriu.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
Obrigada pela resposta!
ExcluirBoa noite Luis! Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirA minha pergunta é sobre o posicionamento parcial de Miller sobre aquilo que ele considera certo. Na sua opinião, é possível produzir um discurso histórico no qual o posicionamento de quem escreve seja neutro, sem agregar um juízo de valor ou uma ideologia por trás desse discurso?
Att,
Eduarda Andréia Kerkhoff
Olá Eduarda.
ExcluirObrigado pelo comentário.
Quando dialogamos com os pressupostos da linguística, com ênfase à Análise do Discurso, verificamos que não existe imparcialidade em nenhum ato/gesto comunicacional.
Portanto, todo e qualquer material é incapaz de romper com os interesses do autor, de seu contexto social e lugar de fala.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
Gostaria de parabenizar o autor, o texto é muito bom e elucidativo. Sobre a indústria do entretenimento que está cada vez mais presente na sociedade, não poderiamos dizer que a cultura pop teria um papel muito importante de refletir, mesmo que de forma suavisada, certas tendências sociais, trazendo uma aproximação maior com o grande público, diferente de uma abordagem acadêmica, que infelizmente tende a manter-se bem mais distante da população?
ResponderExcluirAfranio Junior de Melo Barros
Estimado Afranio.
ExcluirObrigado pelo comentário.
Na verdade, o que me motivou a interagir com esse tipo d mídia foi, justamente, a aproximação com um público específico, sobretudo, entre os jovens.
No entanto, esse material não é a panaceia de nossa realidade acadêmica. Acredito que o ideal seja utilizá-lo em conjunto à abordagem acadêmica, diant de nossos objetivos de ensino.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
excelente texto, acredito que uma das formas de ensinar história é através de Hqs, li outro dia uma tese de mestrado que o autor elaborou uma HQ contando o Descobrimento do Brasil.
ResponderExcluircomo vc vê essa ferramenta de ensino, que ainda é pouco explorada no nosso país, no âmbito do ensino de história?
att: Adriano Castro de Holanda
Estimada Adriana.
ExcluirObrigado pelo comentário.
Eu vejo como um campo de grandes possibilidades, mas, como destaquei em outros comentários, ele não solucionará todos os nossos "problemas".
Portanto, o ideal é sempre ter em mente que não vivemos em um mundo ideal e que novos desafios sempre baterão à porta. Logo, planejar e estabelecer objetivos, além dos procedimentos e métodos de abordagem, pode tornar os quadrinhos uma ótima ferramenta para o Ensino de História.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
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ResponderExcluirEstimado Kaio,
ExcluirObrigado pelo comentário. Na verdade, essa percepção é extremamente polarizada em todas as suas acepções. A História Antiga Ocidental, tanto do seu ponto de vista conceitual quanto do seu ponto de vista temático, tem sido repensada. Isso porque a relação das sociedades mediterrânicas no que hoje é conhecido como Europa, foi muito mais fluida do que se apresenta nos livros didáticos. Nesse sentido, percebe-se que grande parte das "inovações" técnicas e filosóficas que os helenistas tradicionais defendem sobre Grécia, se iniciou no Oriente ou na África.
Sendo assim, Atenas e Esparta são apenas duas sociedades das mais de mil póleis catalogadas. Te sugiro que busque a obra "An Inventory of Archaic and Classical Poleis", organizado por Mogens Hansen e Thomas Nielsen para ter uma ideia da quantidade de sociedades gregas que foram catalogadas.
Outra questão é a lógica das etnias. Muitas delas foram criadas como instrumento de legitimação política, como a questão dórica e Esparta. Procure obras que trabalhem com etnicidade grega para ter uma ideia.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
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ResponderExcluirMe direcionei para esse texto por dois motivos: gosto de HQ e gosto de cinema. Quando uniu as duas coisas, mesmo que sucintamente sobre o filme, foram boas discussões. Tive minhas experiências com 300 em sala de aula para o ensino médio ano passado. Resolvi exibir o filme para as turmas de primeiro ano. Ao exibir para uma primeira turma, alguns ficaram chocados com tamanha violência escancarada. Em casa refletindo melhor, havia me esquecido de um detalhe: a classificação, a faixa etária é pra 16 anos, minha turma os mais velhos tinham 15. Para não ter problemas, caso alguém relatasse sobre as cenas de violência e sexo q ocorre durante a exibição. Só exibi para essa turma, pois havia iniciado e para as outras exibi Fúria de Titãs. E após discussões sobre o filme e o contexto histórico na avaliação final cobrei uma questão sobre o filme.
ResponderExcluirMundando para outro patamar, certamente a HQ e principalmente o filme foram utilizados como panfleto para as guerras de Bush, me lembro bem na época que saiu. Sem me demorar, minha pergunta é: Como poderia trabalhar a HQ 300 em um contexto de escola que não possui nenhuma HQ e mesmo existindo as versões em PDF do professor, os alunos não possuírem notebook? Seria viável a confecção de HQs em sala de aula? Ou seguir adiante apenas com conteúdo ?
Antonio Marcos de Almeida Ribeiro
macribial@yahoo.com.br
Olá Antonio.
ExcluirObrigado pelo o comentário.
Essa sua questão é bem singular. Eu, particularmente, tento escanear os materiais do meu acervo pessoal, sobretudo, por meio de aplicativos de escaneamento. Isso com o intuito de apresentar essa temática aos alunos por meio de uma aula feita em slides.
Acredito que falar sobre o tema, tecer considerações sobre o filme e/ou HQ não seja o suficiente para os alunos.
Entretanto, reforço que nessa conjuntura, o desenvolvimento de questões relativas à disponibilização do material recaia no nosso esforço, enquanto profissionais.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
Olá Prof. Luis Felipe.
ResponderExcluirSobre o fato de Frank Miller, falar em um entrevista sobre filme 300, disse que os espartanos de sua HQ estavam dispostos a morrer pelo que é "certo". A analogia citada no texto sobre o treinamento militar dos espartanos era semelhante aos fuzileiros navais americanos. Sobre este dois aspectos que Miller relata sobre seus espartanos da HQ morrerem pelo que é "certo" e sobre os fuzileiros americanos irem também à guerra, entendo que a HQ 300, não tem, por assim dizer, no sentido de mostrar ao público o fato histórico em si. No entanto, pergunto: a obra de Frank Miller poderia ter mais embasamento histórico? Ou sua intenção era mostrar somente algo superficial e fazer propaganda para futuros jovens militares ?
David Jonas Tavares da Costa
Olá David.
ResponderExcluirObrigado pelo o comentário.
Miller buscou um embasamento histórico mínimo para a sua HQ, no entanto, o seu compromisso era criar um discurso de exaltação sobre o "heroísmo" e o compromisso de guerreiros bem instruídos de morrerem pela sua sociedade.
Dito isso, Miller se utilizou do elemento histórico para destacar que esse tipo de ideal sempre existiu, logo, se os norte-americanos pudessem se identificar com essas atitudes, os mesmos poderiam ser compreendidos como herdeiros dessa tradição.
Ainda assim, dependendo do seu planejamento e dos seus objetivos, nada o impediria de trabalhar essa HQ com o Ensino de História Antiga.
Cordialmente,
Prof. Luis Filipe
Estimado Professor Assumpção,
ResponderExcluirEm nome da Mesa de Ensino de História Antiga, gostaria de agradecer por compartilhar o seu conhecimento conosco. O seu trabalho foi um diferencial em nosso evento. É perceptível o quanto as suas reflexões motivaram e incentivaram os leitores. Obrigado!