Leandro Mendonça Barbosa


A BNCC E O ESTUDO DA ÁFRICA E DO EXTREMO ORIENTE ANTIGOS NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: RETROCEDEMOS?



Norberto Guarinello, na obra História Antiga, publicada em 2013, apontou que olhar o crescimento dos estudos em Antiguidade no Ocidente ao longo do século XX, no que tange a ampliação dos objetos, pode ser uma armadilha. De fato, o número de estudos, publicações e especialistas na área se multiplicou nos novecentos, e adentramos ao novo milênio munidos de uma vasta gama de discussões acerca do Mundo Antigo.

Destarte, o ensino de História Antiga ao longo do século XX, continua o autor, teria se cristalizado nos padrões estabelecidos no século XIX [Guarinello, 2013, p. 29], durante o auge do positivismo. Temos como exemplo a continuidade da divisão tradicional da Antiguidade em três partes, o estudo da História Antiga como uma História Ocidental e até padrões estéticos que associam a Antiguidade Clássica com um padrão social a ser alcançado.

Se no ambiente acadêmico e científico as novas discussões acerca dos paradigmas dos estudos históricos, a transdisciplinaridade e a inserção de novos objetos e fontes concederam outro olhar aos estudos da Antiguidade, o reflexo em sala de aula foi sentido de forma menos intensa, apesar de, por força de leis, ou mesmo de mudanças trazidas pela mundialização, terem se alargado os estudos acerca da Antiguidade.

Após a lei nº 11.645, de 10 de Março de 2008, que estabelece para os currículos de História a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, a África antiga, com temas que contemplem o Reino da Núbia, por exemplo, passa a ser inserida, levando o continente para além do Egito – que dentro do contexto da História Antiga Ocidental nunca foi incluído na realidade africana, da mesma forma que há dificuldade em ver a Mesopotâmia dentro do mundo Oriental.

A Novo Ordem Mundial e a ascensão de novas potências também não passaram incólumes pelos estudos da Antiguidade. Hoje seria inconcebível a tentativa de compreensão de um mundo global e de uma sociedade interconectada sem se debruçar nos estudos sobre as realidades chinesas. A China antiga passou a vigorar, mesmo sem efeito de lei, nos currículos do 6º ano do Ensino Fundamental, e o estudo da Índia antiga veio neste esteio em algumas coletâneas de livros didáticos.

Contudo, se em um primeiro momento podemos dizer que estas inserções apontam para um caminho a alargar as visões da História Antiga, elas não foram capazes de quebrar com a visão tradicional que aponta para o modelo “Mesopotâmia – Egito – Grécia – Roma. Sendo o cerne central de nossa proposta, com a nova BNCC a deficiência ficou ainda maior.

Como primeira parte deste estudo, consultamos os dois Livros Didáticos de 6º ANO/EF que possuem um grande número de adeptos nas escolas Municipais de Campo Grande-MS anteriores a atual BNCC, e que foram inscritos no PNLD – Programa Nacional do Livro e do Material Didático – 2017-2019, e seguiram os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais: Projeto Araribá e História, Cidadania & Sociedade.

Como antes da BNCC atual não havia nenhum documento que homogeneizasse um currículo mínimo, decidimos metodologicamente por exemplificar o antes da BNCC por meio de ambos os livros didáticos, de grande circulação nacional. Nestes livros percebemos que a visão tradicional ocorre, todavia foram inseridos conteúdos específicos dentro do currículo para se trabalhar a África e o Extremo Oriente antigo.

No Projeto Araribá, coletânea organizada pela Editora Moderna, além da divisão em Capítulos – chamados Temas – há a divisão em Unidades. A Unidade três, “Mesopotâmia, Egito e Reino da Núbia”, conta com um Tema dedicado a este reino, exaltando a pujança de uma grande sociedade de população negra e tratando de Napata e Meróe, as duas capitais do império cuxita.

No livro do 7º ANO/EF a discussão continua, com a África medieval islamizada, o reino ioruba e também uma África cristã. Ou seja, a discussão não finda na Antiguidade, mas é sim um ponto de partida para se pensar a África em diferentes temporalidades e realidades sociais. Para China e Índia antigas existe uma Unidade inteira, com cinco Temas, onde são trabalhados as dinastias chinesas Chang, Chou e Han, a cultura harapense na Índia e seu período védico.

Já no livro História, Sociedade & Cidadania, de autoria de Alfredo Boulos Júnior e editado pela FTD, são dispensados dois capítulos para discutir o tema da África e do Extremo Oriente antigos. O “Capítulo 7 – O Egito Antigo e o Reino de Kush” possui dois tópicos para o estudo a Civilização Núbia e das Características do Reino de Kush, além de promover uma reflexão acerca da integração entre as cidades ao sul do Egito com esta civilização.

Já o “Capítulo 9 – China” se dedica exclusivamente ao estudo da China antiga. Embora não tão longo, aborda a formação da sociedade chinesa, suas principais cidades e as contribuições que a China, que desde a Antiguidade, legou à humanidade, como a medicina e o confucionismo. Toda este especulo se faz essencial, já que a China é apresentada pelo livro em sua parte Medieval, no 7º ANO/EF e Contemporânea no 9º ANO/EF.

Entretanto, estes currículos foram elaborados antes da implantação na Base Nacional Comum Curricular, que em sua trajetória expôs várias fragilidades. No texto inicial da BNCC, apresentado em 2015 sem a possibilidade de discussão por parte de especialistas em História Antiga, os estudos da Antiguidade para o Ensino Fundamental contaram com apenas três menções, todas no 6º ANO/EF. A saber: a forma dos Egípcios contarem o tempo, no conteúdo das maneiras de contagem e registro do tempo, na crítica ao modelo quadripartite de divisão da História e no conteúdo de identificação através dos períodos históricos, sendo “Idade Antiga” um deles [BRASIL, 2017, p. 250-251].

Ocorreram severas críticas por parte de entidades como o Grupo de Trabalho em História Antiga – e de seus diversos GTs regionais – da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos e da Associação Nacional de História, além de núcleos de estudo em Antiguidade, que não foram consultados e viram que notoriamente a BNCC se esquecia do Mundo Antigo.

Críticas específicas ocorreram, como o fato de que a elite jamais deixaria de estudar História Antiga, já que a BNCC propõe um currículo mínimo, não máximo, e a população mais carente não seria contemplada com este repertório diverso; em um mundo globalizado e em um Brasil multiétnico, estudar as sociedades antigas é introduzir no sistema educacional do país comparativos de diversidade e igualdade [Funari, 2016, p. 02]. Em suma, com a supressão dos estudos em História Antiga – além de outros períodos – tivemos um currículo em História brasilcêntrico e presentista [Santos, 2019, p. 145], beirando a um ufanismo que remonta à narrativa de construção de uma visão de nação que beira o início do século passado.

Percebe-se que esta BNCC tem uma preocupação exacerbada com o estudo da História do Brasil, das Américas e da África [Coelho; Belchior, 2017, p. 65]. Todavia, na questão africana, vê-se a centralidade na temática da escravidão. Nos demais períodos da História africana além da Antiguidade, dos vinte sete Conhecimentos Específicos a serem trabalhados, metade, treze, são referentes à escravidão.

Para a outra metade tenta-se reunir todo o conhecimento restante sobre África a partir da Idade Média [comércio transaariano, reinos islamizados, resistência à colonização, neocolonialismo, pan-africanismo, apartheid, independências etc.]. A proposta acerca da reflexão sobre o escravismo é enriquecedora, sem dúvidas, e que jamais poderemos negar, mas sua proeminência acabou por suprimir a África antiga – e outros aspectos históricos africanos como um todo – e, consequentemente, as brilhantes civilizações africanas ao sul do Egito, por exemplo, o que contribui para uma visão estereotipada do continente.

Com a versão final da BNCC a História Antiga volta a ser inserida no Ensino Fundamental, não sem críticas por parte dos estudiosos e dos grupos. Apresentar toda a Idade Antiga e toda a Idade Média no 6º ANO/EF é algo que chamou a atenção negativamente de antiquistas e medievalistas, entretanto este não será o foco de nossa análise; bons trabalhos dão conta desta discussão.

As Unidades Temáticas do 6º ANO/EF que tratam da História Antiga são: “A invenção do Mundo Clássico e o contraponto com outras sociedades” – sendo que este conceito “outras sociedades” [BRASIL, 2017, p. 416] por si só já é algo complicado, pois centraliza o olhar no chamado Mundo Clássico: Grécia e Roma – e “Lógicas e organização política” [BRASIL, 2017, p. 416]. Estas duas Unidades reúnem trinta e seis Conhecimentos Específicos a serem trabalhados com os alunos; destes, somente cinco mencionam a África Antiga.

A primeira Unidade reúne três destes conhecimentos, e um deles já possui uma especificidade gritante. No Conhecimento “Aspectos econômicos, culturais e sociais dos povos da antiguidade na África [Egito], e no Oriente Médio [Mesopotâmia] e nas Américas” está especificado que o único povo africano o qual se estudará os aspectos socioeconômicos e culturais será o Egito, corroborando com uma tradição ultrapassada.

Isto remonta a uma reminiscência do século XIX, na qual existiriam duas Áfricas separadas pelo Deserto do Saara: uma ao Norte, mais ocidentalizada – sintetizada no Egito – e outra ao Sul, e que o deserto impedia a comunicação [Hernandez, 2008, p.18], sendo que a parte Norte, e particularmente o Egito, em contato com o continente Europeu, se “desenvolveu” mais que a parte Sul e, deste modo, seria mais importante saber sobre a História do Egito do que das civilizações da parte Sul.

O estudo destas características em outras civilizações africanas antigas é exatamente a forma de entender que comunidades que não se relacionavam com o Mediterrâneo e a Europa – o caso da egípcia – também construíram promissoras sociedades, e que mesmo o Egito só se desenvolveu desta maneira também devido ao contato comercial e cultural com Meroé ou com o Reino de Axum, por exemplo. Não se restringir ao Egito e analisar estes povos, em sua maioria constituídos de população negra, demonstrará toda a pujança e criatividade dos reinos africanos.

Os outros Conhecimentos Específicos não dão conta desta questão. No “As fontes históricas relativas às sociedades antigas na África, no Oriente Médio ou nas Américas” deixa o Professor livre para escolher e trabalhar com qualquer um dos três contextos – vide a conjunção “ou” – não prevendo uma realidade mais específica para explanar de que forma se estudar os povos africanos na Antiguidade.

O último Conhecimento Específico desta Unidade é: “As relações culturais entre gregos e romanos e os povos do Oriente Médio e África”. Aqui percebemos que o foco central não seria o estudo nem do Oriente Próximo e nem da África, e sim dos greco-romanos. Estudar estas relações seria para entender o Mundo Clássico – como a unidade propõe – e não o mundo afro-asiático, que aqui serviria como um contraponto.

Entretanto, a Habilidade Relacionada EF06HI09.s [BRASIL, 2017, p. 417] aponta para discutir o conceito de Antiguidade Clássica e seu impacto em outras sociedades e culturas, abrindo espaço para o professor priorizar esta competência, bem como para problematizar o termo trazido pela própria BNCC de “Mundo Clássico”. Apesar de o conhecimento ser em relação ao mundo greco-romano, a habilidade permite uma maior reflexão dos povos africanos antigos, e é efetivamente a única que possibilita a problematização da África antiga em uma amplitude.

Já na segunda Unidade Temática temos o único Conhecimento Específico que claramente propõem uma reflexão acerca da antiguidade africana, apesar da maneira limitada. Em “As múltiplas formas de organização política da África antiga e do Oriente Antigo” é dada ao professor a oportunidade de trabalhar com as diversas sociedades africanas e como estas se organizavam politicamente.

A única questão é a restrição que foi dada ao tema “político”. Claro que uma parte imprescindível da compreensão em História são os aspectos políticos, porém afastar perspectivas econômicas e culturais pode dar uma visão parcial destas sociedades. Não seria importante falar de religião na África antes do advento do islamismo? Isto não ajudaria a combater estereótipos e preconceitos acerca das religiões de matriz africana existentes hoje no Brasil? A BNCC peca exatamente por restringir mais um conhecimento onde a África aparece de forma protagonista, desta vez centrando as análises na questão política.

Ainda há um último Conhecimento Específico onde a África aparece, mesmo que de forma breve: “O Mediterrâneo como local de interação entre os povos da Europa, África e Oriente Médio”. A importância do Mediterrâneo renascida nas últimas décadas no Brasil com o advento de Grupos de Pesquisa como o LEIR-MA – Laboratório de Estudos do Império Romano – Mediterrâneo Antigo – e o NEMED – Núcleo de Estudos Mediterrânicos – foi considerada pela BNCC, e é neste contexto maior que surge a África. Embora a interação seja louvada, também aparece de forma deveras breve.

Se em África antiga analisamos os cinco Conhecimentos Específicos que citam o tema, em Extremo Oriente antigo sequer somos capazes disso. O único conhecimento que de forma vaga cita algo que poderia enquadrar China, Índia, Japão ou Rússia antigos é: “As múltiplas formas de organização política da África antiga e do Oriente Antigo”.

Este é o único ponto que diz “Oriente Antigo” e não “Oriente Médio”, sendo que o segundo denota o estudo, sobretudo, da Mesopotâmia, e quem sabe Fenícios, Hebreus e Persas – outros povos que foram renegados na versão final. De forma vaga, o termo “Oriente Antigo” dá a noção de se estudar sociedades do Extremo Oriente. Como se imaginar uma educação que não estude a China, nos dias de hoje? Que não compreenda a construção da sociedade chinesa e todas as especificidades de organização sociopolítica e econômica deste povo?

Deste modo, vemos com preocupação esta nova versão da BNCC para História Antiga como um todo, mas principalmente no que tange a estas especificidades da Antiguidade. Claro que os livros continuarão tendo liberdade de inserirem em seus temas estudos afro-asiáticos antigos, entretanto julgamos ser um retrocesso, em um momento no qual o Brasil necessita de tolerância e respeito, renegarmos a História Antiga Africana e Extremo-Oriental a planos tão secundários como vistos na versão final.

Referências
Leandro Mendonça Barbosa é Doutor em História Antiga pela Universidade de Lisboa. Atualmente é Presidente do Grupo de Trabalho em História Antiga da ANPUH-MS e Professor da UNIDERP e SEMED-MS.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular [BNCC]. Brasília: Ministério da Educação, 2017.
_______. Lei nº 11.645. Brasília: Palácio do Planalto, 2008.
BOULOS JUNIOR, Alfredo. História, Sociedade & Cidadania – 6º Ano. 4ª edição. São Paulo: FTD, 2016.
COELHO, Ana Lucia Santos; BELCHIOR, Ygor Klain. A BNCC e a História Antiga: uma possível compreensão do presente pelo passado e do passado pelo presente. Mare Nostrum, v. 8, p. 62-78, 2017.
FUNARI, Pedro Paulo A. Parecer para o MEC sobre a Base Nacional Comum Curricular: a história em sua integridade 17/02/2016. 2016. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/relatorios-analiticos/Pedro_Paulo_A_Funari.pdf>
GUARIENLLO, Norberto L. História Antiga. São Paulo, Contexto, 2013.
HERNADEZ, Leila Leite. A África na Sala de Aula: visita à história contemporânea. 4ª edição. São Paulo: Selo Negro, 2008.
PROJETO ARARIBÁ. História – 6º Ano. 5ª edição. 2016.
SANTOS, Dominique. O Ensino da História Antiga no Brasil e o debate da BNCC. Outros Tempos, vol. 16, n. 28, 2019, p. 128 - 145.

24 comentários:

  1. Boa noite Prezados, gostaria de saber sua opinião sobre a atual China e os embates de poderes durantes os séculos que perpetuaram o que hoje é uma economia fortificada.

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  2. Boa noite Prezados, gostaria de saber sua opinião sobre a atual China e os embates de poderes durantes os séculos que perpetuaram o que hoje é uma economia fortificada.
    José Alexandro Rodrigues Silva

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    1. Boa noite José Alexandro.
      A China, ao longo dos milênios, caracterizou-se por sua heterogeneidade quando se trata de poder. Sem se render a estereótipos, a História chinesa, no que tange às relações de poder, foco de sua pergunta, dentro de uma perspectiva de História Global, conheceu momentos exitosos, como as dinastias chinesas da Antiguidade, e momentos de profundas dificuldades, como os neocolonialismos imperiais a que foi submetida no final do século XIX e início do XX, para ficar somente em dois exemplos. Acerca da questão da atual economia chinesa, o advento do maoismo, com todas as suas contradições, promoveu o “Grande Salto para Frente”, abrindo indústrias e incrementando a produção. Nas últimas décadas, com o efeito da mundialização, a China abre seus mercados e este parque industrial, antes voltado principalmente ao mercado interno, passa a abastecer grande parte dos mercados mundiais.

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  3. Também prezado, como a BNCC procura mostrar os conteúdos de 9°Ano, sendo que temos um alto índice de evasão escolar e reprovação, ela procura viabilizar todas as idades ou segue o cronograma ano a ano?

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    1. Boa noite.
      A BNCC do Ensino Fundamental foi elaborada para todos os anos, de 6º ao 9º. Ano a ano são trabalhados conteúdos referentes aos conhecimentos históricos. Deste modo, todas as idades são contempladas. Você notou algo que é recorrente, a reprovação e evasão, o que faz com que vários alunos não frequentem o 9º ano, desconectando-se, então, de conhecimentos em História Contemporânea e Brasil Contemporâneo, sobretudo final do século XIX, todo o século XX e início do século XXI.

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  4. Olá, Leandro!
    Compartilho as tuas preocupações em relação à BNCC entendendo que, sim, retrocedemos.
    Gostaria de saber de que forma você enxerga como será a implementação do documento no nosso sistema de ensino. Afinal, o texto determinar um certo currículo é diferente de ele ser aplicado nas escolas do Brasil. Isto é, tendo em vista que a desobediência à BNCC revela-se um dever ético, você enxerga a possibilidade de que os professores deem maior enfoque a espacialidades que não a do mundo greco-romano na História Antiga?

    Guilherme José Schons
    História - UFFS - Campus Erechim

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    1. Boa noite Guilherme.
      Comungo com sua posição, de que quando nós, profissionais da História, sentimos lacunas e injustiças na nova BNCC, temos este dever ético de desobediência. Destarte, há um primeiro ponto, que são os novos livros didáticos. O PNLD prezará e adotará livros didáticos que sigam a nova BNCC elaborada pelo governo; o que chegará às escolas nestes próximos anos, para escolha docente, serão os livros conforme as normas da nova BNCC. Sabemos que o livro didático serve como um auxílio ao professor, e não deveria determinar sua prática docente, mas no dia a dia, ou como dito, “no chão da sala de aula”, isto não ocorre. Os professores, obviamente sem generalizar, utilizam o livro didático como seu principal instrumento em sala, todo o restante (vídeos, meios eletrônicos, livros paradidáticos, aulas fora do ambiente escolar) é colocado como complementar. A segunda questão é o próprio ensino de História Antiga nas Universidades, que formarão os futuros professores. Apesar de esforços terem ocorrido nas últimas décadas, as discussões acerca de temas como África e Extremo Oriente antigos não são contempladas com o mesmo afinco das relacionadas à Antiguidade Greco-romana, ou mesmo ao Egito. Deste modo, a própria Universidade (e é uma crítica que me incluo) ainda reproduz o discurso dominante, de certa forma eurocêntrico, e não prepara o futuro professor com todos os elementos necessários para que ele leve estes temas em sua prática diária. Respondendo sua indagação, por estes motivos apresentados vejo um terreno fértil para que a nova BNCC chegue, quase "ipsis litteris", nos rincões brasileiros.

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    2. Tenho a mesma percepção (e preocupação), Leandro. Infelizmente.
      De todo modo, precisaremos resistir à BNCC.

      Muito obrigado pela resposta!
      Abraço!

      Guilherme José Schons

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    3. Por nada, e a preocupação deve virar motivo de força para aprofundar as análises sobre o tema, além de resistência e luta, claro.
      Abraço!

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  5. Arielle Alves Rosa Brito19 de maio de 2020 às 08:54

    Gostaria de saber qual seria a melhor maneira para implementar mais informações relevantes sobre a história antiga da África e do Extremo Oriental para os acadêmicos do ensino fundamental, por meio da sua perspectiva?
    Cordialmente, Arielle Alves Rosa Brito

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    1. Boa noite Arielle.
      A primeira questão é não se ater ao livro didático. Ele é um excelente material para o dia a dia em sala de aula, entretanto não pode ser o único, principalmente quando a temática é a que discutimos aqui. O motivo é que o PNLD priorizará e recomendará os livros didáticos que estejam de acordo com a nova BNCC, e no texto vimos os problemas que traz em relação à África e ao Extremo Oriente antigos. Outro problema é que esbarramos no número de aulas reservadas a estes conteúdos, e que deverá ser seguido nos Planos de Aula. Como se trata de 6º ano, vídeos curtos ou meios eletrônicos que englobem a arte Núbia, por exemplo, são bons materiais, pois além de prenderem de forma mais eficaz a atenção dos alunos, deslocam a noção de arte como um conceito europeu. Relacionar os governantes Cuxitas com os faraós é um bom método para demonstrar o restante da África no que tange às relações de poder. Meios digitais revelando as invenções chinesas, que desde a Antiguidade brindam a humanidade e são apropriadas pela Europa, geram curiosidade, assim como a milenar medicina. Trabalhar, por meio de pequenas leituras em grupos ou imagens em Data show, as dinastias chinesas, é um modo de mostrar formas de governo distintas daquelas conhecidas por nós, ocidentais. Todos estes assuntos são alternativas que saem do tradicional, ao mesmo tempo em que reposicionam a visão dos alunos, afastando-se de uma possível ideia eurocentrista.

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  6. Bom dia, a discussão sobre o ensino de uma Antiguidade não ocidental é muito atual, com as reformas recentes das bases curriculares, influenciadas pelos estudos ditos decoloniais ou subalternos, que buscam se afastar do eurocentrismo, incluiu-se o estudo de história e cultura africana, asiática e até indígena ao ensino básico, a pergunta é, o fato de a nova BNCC pincelar de forma rasa a antiguidade não-ocidental em favor de uma modernidade subordinada ás dinâmicas da escravidão atlântica, formadora da nossa sociedade, configuraria um caso de substituição um etnocentrismo por outro, sob a justificativa de estudos inclusivos, as novas bases curriculares caíram na armadilha do "identitarismo político", produzindo estudos identitários e rasos descartado-se as contribuições de outras culturas e épocas sob a simplificação do eurocentrismo?
    Pâmella Holanda Marra

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    1. Boa noite Pâmela.
      Sua análise é muito oportuna, pois encara um problema que nem sempre é notado no Ensino de História, o de muitas vezes combater o etnocentrismo oferecendo como alternativa outro etnocentrismo. A nova BNCC teve como preocupação, quando o assunto foi a História da África, as relações com a escravidão atlântica. Atitude louvável, sem dúvidas, mas que quando encarada como ponto fulcral da análise pode se tornar passível de um discurso identitário baseado nestas relações escravistas, que poderá vir a reforçar que esta foi a participação dos africanos na História, acabando por restringi-la. A partir do momento em que nos voltamos à complementaridade superficial África=escravidão, colocamo-nos sim em um contexto eurocentrista, na medida em que o tráfico atlântico foi promovido, e para usufruto, das civilizações europeias.

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  7. Ótima essa discussão de como a BNCC vêm trabalhando com a História Antiga fora do eixo europeu. Em um mundo extremamente globalizado em que se têm diversos conflitos culturais ao redor do mundo pouco é compreendido pelos alunos em sala de aula, isso pode estar de algum jeito ligada a pouca perspectiva que é dada sobre a História da África e Ásia? E isso está de certa forma está ajudando na formação de uma cultura cada vez mais xenófoba?

    Laura Pereira de Castro

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    1. Boa noite Laura.
      Certamente a abordagem que se deu para as questões africanas e asiáticas na História Antiga – e em outros período da História – relegando a um grau inferior de importância o mundo “não-ocidental”, digamos assim, colaborou para a incompreensão desta sociedade mundializada que temos atualmente. Quando os alunos não entendem culturas distintas, relações de poder diferentes das que percebe a sua volta e sociedades dinâmicas, fica muito difícil para eles assimilar a pluralidade do mundo. E, a meu ver, isto pode estar sim associado com um reforço da visão xenófoba. O que não é compreendido não é aceito e, logo, precisa ser combatido. E, também em minha análise, a nova BNCC, neste ponto, contribui pouco para o descolamento destas visões.

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  8. Fazer qualquer tipo de imersão crítica na BNCC é tanto necessário quanto assustador, dado os grandes temas que este projeto negligencia na sua orientação dos conteúdos e abordagens. Por isso, parabenizo seu trabalho de investigação.
    E quero perguntar-lhe sobre a formação do professor a partir desta mudança. Os cursos EAD, especificamente, continuam com uma carga reduzida de conteúdos já sobre a grade clássica da formação de um historiador. E há cursos presenciais que não tinha módulos referentes à história africana ou asiática. Assim, há algum documento que altere (ou projete uma alteração) para que os cursos de formação de professores de história atendam as especificações da BNCC?

    João Otávio Tomazini Fardin

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    1. Boa noite João Otávio.
      Obrigado pela felicitação. O problema que você coloca é notório nos cursos EaDs, mas como você também apontou não é um “privilégio” deles. A nova BNCC não é impositiva, ou seja, que por força da lei o docente terá que segui-la – apesar de acreditar que, por conta principalmente do PNLD, quase a totalidade dos professores a seguirá – mas sim um ponto norteador, é um documento que regula os conteúdos no cerne da prática docente. Dentro de nosso tema, a Lei 10.639/2003 impôs o ensino de História da África nas escolas; isto deve ser seguido. E a nova BNCC garantiu esta temática, o que criticamos é a abordagem que a mesma deu às questões africanas, restringindo os pontos de análise e o desenvolvimento de habilidades.

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  9. Bom dia Leandro,

    Parabéns pelo ótimo texto, partilho de suas preocupações no que tange a BNCC e a história antiga das Américas, que ainda são vistas e relegadas sob o termo "pré-história", fruto de um evolucionismo cultural. De acordo com o ponto de vista de voces, como voces discutiriam em sala de aula as sociedades africanas e asiticas?

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    1. Boa noite Avelino.
      Fico feliz que tenha gostado do texto. Dois principais problemas devem ser conhecidos antes de pensarmos em alternativas. O primeiro é a questão do livro didático que, devido ao PNLD, virá conforme a nova BNCC e não priorizará esta visão de África e Ásia que propomos. O segundo ponto é o número reduzido de aulas previstas para estes temas no 6º ano do Ensino Fundamental, já que muitos outros assuntos devem ser trabalhados em um só ano letivo. O livro didático, deste modo, de ser visto como um auxílio, e não como material principal. A forma de trabalhar poderia ser por vídeos curtos, meios eletrônicos e digitais, pequenas leituras e imagens em Data show que contemplem, por exemplo: a arte Núbia, o que deslocaria a noção de arte como um conceito europeu; as relações entre governantes cuxitas e faraós, demonstrando as relações de poder no restante da África; as diversas invenções chinesas, que acabaram sendo apropriadas pela Europa; as dinastias da China, para conceder aos alunos uma visão diferente de política que a ocidental, conhecida por ele. São essas algumas alternativas.

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  10. Viviane Roza de Lima21 de maio de 2020 às 12:57

    Olá Prof. Leandro.

    Gostaria de parabenizar pelo seu texto e abordagem problematizadora da BNCC frente a temáticas não-eurocêntricas em sala de aula. Minha dúvida é como os futuros profissionais de História, e em especial os que o fazem via EAD, podem se atentar a essas abordagens problematizadoras e como contornar a falta de espaço e tempo na grade dos seus cursos, que em épocas de forte apelo mercadológico do ensino podem formar profissionais deficientes?

    Viviane Roza de Lima

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    1. Boa noite Viviane.
      Obrigado pela felicitação. Sua preocupação é a preocupação de muitos que se dedicam ao fazer histórico. A Lei 10.639/2003, que impôs o ensino de História da África nas escolas e, consequentemente, fez com que as universidades se adequassem a esta realidade, foi um avanço. Mas quase duas décadas depois, praticamente paramos aí. A alternativa que vejo em curto prazo são as atividades complementares (Congressos, Minicursos, Oficinas), que exigem uma frequência mínima por parte dos alunos, desenvolverem a temática que aqui apresentamos, e outras correlacionadas. Destarte, para isso ocorrer há que se ter vontade por parte dos próprios docentes e pesquisadores da área. Em um longo prazo vejo a importância de uma mobilização para pressionar os órgãos de educação, como o Conselho Federal de Educação, que representa a sociedade civil, para que sejam elaboradas políticas públicas voltadas para esta temática, propondo discussões nesta área mesmo para cursos com c/h reduzida; entretanto da mesma forma há que se ter a vontade dos alunos, professores e demais profissionais.

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  11. Marcelo Noriega Pires21 de maio de 2020 às 17:48

    Primeiramente meus mais sinceros parabéns pela qualidade do texto. O que gostaria de questionar é o seguinte: como o colega vê a permanência do eurocentrismo na própria BNCC, que podemos dizer que avançou pouco neste tipo de desconstrução.

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    1. Boa noite Marcelo.
      Muito obrigado pela felicitação! Nesta nova BNCC ocorreu uma tentativa de diminuir a visão eurocêntrica nos temas históricos. Por vezes infeliz, pois em alguns poucos acabou por substituí-la por uma História do Brasil que beira ao ufanismo, ou histórias locais que, no fazer histórico, não conseguirão se associar com realidades globais mais complexas. Deste modo, no que tange ao eurocentrismo esta nova BNCC tem dois problemas: ele ainda existe e, nos pontos em que foi suprido, fez-se por uma abordagem tão obsoleta quanto ele próprio. Esta questão dos “centrismos” é antiga, e concordo contigo que a nova BNCC não avançou como deveria. A permanência de análises eurocêntricas leva, na melhor das hipóteses, a uma incompreensão da sociedade atual, altamente mundializada, e a desconexão por parte do Brasil de temas cabais; em um caso extremo, até a um aumento da xenofobia, a partir do momento em que não são compreendidas culturas, relações de poder, religiosidades e tradições de outros povos. “Se não entendo não aceito; se não aceito, combato”. Preocupante!

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  12. Estimado Professor,
    Em nome da Mesa de Ensino de História Antiga, gostaria de agradecer por compartilhar o seu conhecimento conosco. O seu trabalho foi um diferencial em nosso evento. É perceptível o quanto as suas reflexões motivaram e incentivaram os leitores. Obrigado!

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